O Globo, n. 31442, 07/09/2019. Sociedade, p. 28

Pacto pela floresta
Jussara Soares
Daniel Gullino



Sete dos nove países que compartilham a Amazônia acertaram um pacto ontem, na Colômbia, com medidas para proteger a maior floresta tropical do planeta, atingida por incêndios e desmatamentos. Os presidentes da Colômbia (Iván Duque), Peru (Martín Vizcarra), Equador (Lenín Moreno), Bolívia (Evo Morales), além de representantes do Brasil (o chanceler Ernesto Araújo), da Guiana e do Suriname, iniciaram a Cúpula Presidencial para a Amazônia dentro de uma maloca indígena na cidade amazônica de Letícia, no sul do país. Faltaram ao encontro a Venezuela, que não foi convidada, e a Guiana Francesa.

O tratado obriga seus signatários a empreenderem ações conjuntas para enfrentar as causas do desmatamento, como a mineração, o narcotráfico, a extensão ilegal da fronteira agrícola e a exploração ilegal de minerais. Além disso, cria uma rede de cooperação diante de desastres naturais e mobiliza recursos, públicos e privados, para a sua implementação.

Questionado internacionalmente por suas respostas às queimadas na região, o presidente Jair Bolsonaro não esteve presente na reunião em função da cirurgia a que deve ser submetido neste fim de semana, mas fez uma declaração por videoconferência.

Em sua breve declaração, voltou a se manifestar contra as demarcações de terras indígenas, classificando-as como medidas de governos “socialistas, que odeiam a propriedade privada”. E citou o presidente boliviano, Evo Morales, como um exemplo de índio que não é obrigado a ficar “confinado em sua reserva”.

— Aqui no Brasil, o índio tem que ficar confinado dentro da sua reserva, dentro da sua terra. Ele não pode fazer nada dentro da mesma. Vou deixar claro uma coisa: 14% do território nacional brasileiro já foi demarcado como terra indígena. E tem muitas etnias, muitos índios que querem se integrar à sociedade — disse o presidente, que criticou novamente o posicionamento do presidente francês, Emmanuel Macron, alegando que o líder europeu tenta ameaçar a soberania do Brasil.

— As queimadas estão abaixo da média dos últimos anos. Logicamente, devemos evitá-las o máximo possível, mas este furor internacional de nada mais serviu a não ser para que o chefe de uma grande nação, no caso o senhor Macron, atacasse o Brasil e colocasse em risco a nossa soberania — declarou .

No Brasil, de janeiro até a última quinta-feira, os satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) contabilizaram 96.596 focos de incêndio, 51,4% delas na Amazônia. Presidente da Colômbia, Iván Duque, foi anfitrião do encontro junto com o líder peruano, Martín Vizcarra. — Estamos aqui para trabalhar de mãos dadas para sustentar nossa Amazônia — disse Duque, para quem o pacto procurará também “modernizar” os atuais instrumentos de proteção da Amazônia: o Tratado de Cooperação Amazônica de 1978 e a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).

Clima azeda com Morales

Mais tarde, durante o evento de lançamento da carteirinha estudantil digital, em Brasília, Bolsonaro criticou publicamente Evo Morales, a quem vinha elogiando nos últimos meses. Sem citá-lo nominalmente, o presidente disse que as maiores queimadas vêm acontecendo na Bolívia.

— Um parece que não estava integrado a nós e disse até que o capitalismo está destruindo a Amazônia, como se no país dele não tivesse ocorrido as maiores queimadas, muito maior que na Amazônia (brasileira) — disse.

Na reunião, Morales disse que a “mãe Terra está ameaçada de morte” e afirmou que “o lucro e o consumismo de alguns ameaçam avida de muitos ”. Ele ainda declarou ter sentido falta de Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, no encontro.

— Como é possível, por diferenças ideológicas, estarmos distantes? Por cima das diferenças estão os direitos da mãe Terra — questionou.

Bolsonaro confirmou que vetou Maduro do evento e criticou a declaração do líder boliviano, acusando-o de “saudar” o socialismo. Nos bastidores, Bolsonaro também demonstrou incômodo com o fato de Morales ter falado ao telefone com Macron antes do encontro dos países da região amazônica. Com agências internacionais.

“Um parece que não estava integrado a nós e disse até que o capitalismo está destruindo a Amazônia”
Jair Bolsonaro, em crítica ao boliviano Evo Morales

“Como é possível, por diferenças ideológicas, estarmos distantes? Por cima delas estão os direitos da mãe Terra” Evo Morales, presidente da Bolívia, lamentando ausência de Nicolás Maduro