O Globo, n. 31442, 07/09/2019. País, p. 4

O baque nas redes
Jussara Soares
Gabriel Shinohara 
João Paulo Saconi


Tratada pelo presidente Jair Bolsonaro como a mais importante e difícil decisão tomada até aqui no governo, a indicação de Augusto Aras para o cargo de procurador-geral da República (PGR) sofreu críticas de opositores e aliados, desagradou à categoria dos procuradores da República e provocou fissuras na área na qual o apoio ao presidente costuma ser muito sólido: sua base mais fiel nas redes sociais.

Na avaliação de auxiliares do Palácio do Planalto, a escolha de Aras foi o episódio que deixou o presidente mais vulnerável nas redes. Até então, mesmo nos momentos mais polêmicos nos últimos oito meses, o chefe do Executivo sempre contou com uma militância de apoiadores que se sobressaía às críticas. Desta vez, embora Bolsonaro já esperasse uma reação negativa a qualquer que fosse a indicação à PGR, o volume e intensidade dos ataques o incomodaram a ponto de pedir que eleitores apagassem “comentários pesados” contra ele no Facebook.

Além de reações a supostos posicionamentos de esquerda de Aras, a principal motivação do descontentamento dos apoiadores do presidente com a indicação é a desconfiança sobre a disposição do indicado por Bolsonaro de se empenhar no combate à corrupção. As críticas de integrantes da Lava-Jato ao nome de Aras ajudam a cristalizar a reprovação de parte da militância bolsonarista. O presidente se defendeu sobre esse ponto ontem:

— Reconheço as minhas limitações, as minhas fragilidades, a minha incompetência em alguns momentos — disse o presidente, enaltecendo a importância da decisão. — Ontem escolhi o novo procurador-geral da República, uma escolha super difícil, mas é uma pessoa que tem um grau de importância muito parecido com o do próprio presidente, com um poder de fazer, de um lado para o outro, fazer muita coisa para o Brasil.

Segundo assessores, a temperatura dos comentários dos canais oficiais do governo é repassado a Bolsonaro de “modo superficial”, mas são as reações em suas próprias redes sociais, administradas sob sua supervisão pessoal, é que balizam o seu comportamento e pautam inclusive suas declarações. Na quinta-feira, o presidente chegou a pedir “desculpas” e “paciência” às pessoas que o aguardavam na porta do Palácio do Alvorada. Ontem, deu novas declarações mostrando que a repercussão negativa o preocupa. E iniciou o discurso ao deixar o carro para falar com os apoiadores em tom de humildade.

— A gente não pode focar só em corrupção, essa função é muita coisa. É questão ambiental, direitos humanos, minoria, direitos humanos de cidadão de bem… tem a ver com economia.

Retórica mantida

O momento delicado ocorre às vésperas de uma data emblemática para um presidente que tem origem nas Forças Armadas e mantém vários militares no primeiro escalão do governo. Na manhã de hoje, Bolsonaro participa do desfile militar de 7 de Setembro.

Por ora, o presidente não deve mudar a estratégia nas redes sociais, mas reforçará o pedido de confiança em sua gestão. Para manter a base bolsonarista inflamada, seguirá com o tom de campanha de que ele não é um presidente como os anteriores, e sim um “escolhido” para afastar a esquerda do país.

A estratégia é superar o mais rapidamente possível a má repercussão da indicação de Aras nas redes mais fieis, identificada pelo próprio presidente. Na publicação no Facebook em que anunciou a escolha, Bolsonaro recebeu críticas. “Lutamos muito para que esse país tivesse novo rumo. Infelizmente, a escolha demonstra que não é possível cortar o mal na própria carne. É mais fácil ceder ao sistema. Votei no Bolsonaro 17 com a certeza de que seria diferente, mas (a indicação) demonstra que a farinha é do mesmo saco”, escreveu uma eleitora.

Bolsonaro evitou maior exposição da decisão de indicar Aras. À exceção do Facebook, seus perfis em outras redes sociais não tiveram uma publicação exclusiva sobre o assunto. No Twitter e no Instagram, ele se limitou a compartilhar chamadas para a tradicional transmissão ao vivo das quintas-feiras, com uma menção genérica à PGR em meio a outros temas.

Como já é costume, uma tentativa de reverter o quadro desfavorável ganhou o endosso de correligionários do presidente em poucas horas. A hashtag #EuConfioEmBolsonaro foi impulsionada a partir de publicações de apoiadores como a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) e já soma mais de 60 mil menções no Twitter.

Na política, aliados do presidente se opunham a Aras. No mês passado, deputados do PSL fizeram um “dossiê” com críticas ao subprocurador, e mostrando suposto alinhamento dele a ideias de esquerda no passado. Por outro lado, a adesão ideológica de Aras a Bolsonaro nos últimos meses fomentaram críticas da oposição a sua indicação.

“É uma escolha super difícil, mas é uma pessoa que tem um grau de importância muito parecido com o próprio presidente,”

“Reconheço as minhas limitações, as minhas fragilidades, a minha incompetência em alguns momentos”

Jair Bolsonaro