O Globo, n. 31443, 08/09/2019. Economia, p. 28

Empresas brasileiras perdem mais tempo para pagar imposto
Leo Branco  
Eduardo Salgado


Além da Receita Federal, a Volvo, fabricante de caminhões, ônibus, motores e máquinas com sede brasileira em Curitiba, presta contas de suas atividades às secretarias de Fazenda dos 26 estados e do Distrito Federal. Em cada uma delas, a legislação tributária e as alíquotas dos impostos são diferentes. Como a multinacional sueca tem um banco para ajudara financiar suas vendas no Brasil, também paga impostos municipais, que têm regulamentos próprios. A profusão de regras tributárias exige trabalho extra de muita gente na companhia e muita atenção porque as interpretações sobre a aplicação delas mudam constantemente.

O caso da Volvo ilustra como a estrutura tributária brasileira afeta o dia adia dos negócios — e como as empresas estão interessadas nas propostas de reforma desse sistema que começam a tramitar no Congresso. Augusto Flores, diretor tributário do Grupo Volvo na América Latina, conta que tem reuniões mensais pelo telefone com seus pares em outras partes do mundo para trocar experiências. Quando eles escutam o que acontece por aqui na hora de pagar imposto, sempre dizem: “there is no country like Brazil” (não existe país igual ao Brasil).

Os colegas de Flores têm razão. De acordo com o último Doing Business, relatório do Banco Mundial que avalia o ambiente de negócios em mais de uma centena de países, oBra si léol ugar onde as empresas gastam mais tempo para dar conta da burocracia de todos os impostos. São 1.958 horas por ano. Os países mais próximos são Bolívia (1.025 horas), Líbia (889 horas) e Venezuela (792 horas). Na Suécia, as empresas gastam apenas 122 horas. Essa diferença faz com que a operação brasileira da Volvo, responsável por cerca de 5% do faturamento global do grupo, tenha 18 funcionários no setor tributário. Já a Suécia, que responde por cerca de 40% das vendas globais, emprega apenas 3.

— Somos campeões mundiais em complexidade, litígios e burocracia tributária. Esse estado de coisas representa um dos principais fatores que atravancam a economia — diz Breno Vasconcelos, professor da Fundação Getulio Vargas e pesquisador do Insper. Na fabricante de celulose chilena CMPC, que opera em oito países e por aqui é dona das marcas Softys e Melhoramentos, a operação brasileira é aque mais demanda gente para o pagamento de impostos. No Brasil, um em cada 200 funcionários só cuida disso. Nos Estados Unidos, a relação é de um para mil.

— Gastamos cerca de 1,5% do faturamento anual para superar essa burocracia, bem acima do normal em outros países — diz o diretor-geral da operação brasileira, Maurício Harger. Na filial brasileira da multinacional alemã Siemens, a fatia dos funcionários voltados para contabilidade em relação ao número total de colaboradores é oito vezes maior do que a registrada na matriz, diz a empresa. Para a Stefanini, empresa de tecnologia da informação brasileira com sede em São Paulo, a diferença entre o sistema tributário nacional e as melhores práticas mundiais ficou mais clara quando teve início a sua expansão para países de renda alta há duas décadas.

— Nos Estados Unidos, fomos pagar imposto pela primeira vez só quando começamos a ter lucro. Descontando possíveis distorções, como o tamanho diferente das operações, dá para dizer que no Brasil somos obrigados a colocar quatro vezes mais gente no setor tributário para dar conta do trabalho, diz Marco Stefanini, presidente da empresa, hoje em 41 países.

Durval Portela, sócio da consultoria PwC, avalia que o nosso sistema tributário, dada a sua complexidade e o número de obrigações acessórias, é um dos fatores que tornam as empresas brasileiras menos competitivas. Ele observa que a perda de tempo com atividades que não são os principais objetivos do negócio chega ao preço dos produtos.

— Quando um produto é vendido no exterior, está embutido no preço o custo indireto de um grande número de pessoas e da estrutura do departamento de tributos — diz o especialista. — Fazendo uma analogia com o futebol, é como se os clubes brasileiros gastassem mais com a administração burocrática e menos em jogadores. Tudo isso eleva os custos. Segundo a advogada tributarista Camila Tapias, da Utumi Advogados, as empresas gastam com a burocracia — e os conflitos com o Fisco — algo entre 0,2% e 3,6% do faturamento. A média mundial não chega a 0,1%.

Propostas de mudança

Entre as propostas de reforma tributária em discussão em Brasília, ado deputado Baleia Rossi (MDB-SP), na Câmara, funde cinco tributos num só, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), à semelhança do Imposto de Valor Agregado (IVA) em outros países. O novo imposto começaria a ser cobrado dois anos após a aprovação da reforma e conviveria com os antigos por dez anos. “Fazendo uma analogia com o futebol, é como se os clubes brasileiros gastassem mais com a administração e menos em jogadores”

— A ideia é reduzir o excesso de pedidos de informação dos fiscos — avalia a advogada Vanessa Canado, diretora do instituto Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). No Senado, pautada em estudos do ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB), a proposta em tramitação junta nove tributos num IVA, como o da Câmara, mas com exceções setoriais. Embora ainda não tenha formalizado um plano, a equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro defende a junção somente dos tributos da União sobre consumo. A entrada de estados e municípios seria facultativa. O deputado Rossi diz que, caso o texto que tramita na Câmara seja aprovado, as empresas brasileiras terão uma burocracia semelhante à média no mundo:

— Nos países com IVA, as empresas gastam cerca de 200 horas por ano para pagar impostos. A expectativa é chegar perto da média mundial. Hauly, fiador do texto no Senado, diz que sua proposta traria as quase 2 mil horas anuais para algo perto de “zero”. Nem todo mundo é tão otimista. Para Rodrigo Spada, presidente da Associação dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Afresp), a proposta da Câmaraéaquetra ri amais ganhos às empresas por prever um IVA sem exceções setoriais e, portanto, mais simples de ser assimilado. Ainda assim, Spada prevê que as atuais 1.958 horas gastas com tributação pelas empresas deverão cair pela metade após um período de transição:

— Seria ainda um tempo alto na média mundial porque muitas empresas têm benefícios fiscais e vão precisar adaptar sistemas para se adequarem ao novo tributo. Flores, o executivo da Volvo imerso na rotina tributária, espera que mudanças promovidas pelo Congresso possam melhor arodi a adianas empresas. Ainda que não seja possível diminuir o peso da carga tributária, ele diz que a redução do tempo gasto para o pagamento de impostos já será uma boa notícia com efeito na competitividade:

— A estrutura de impostos brasileira é muito complexa. Esperamos que a reforma tributária que venha a ser aprovada busque diminuir as burocracias e elevar a simplificação.