O Globo, n. 31558, 01/01/2020. País, p. 4

Novo revés na agenda de trânsito

Marco Grillo



Em mais uma derrota imposta pelos outros Poderes ao governo Bolsonaro, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, suspendeu ontem uma resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), vinculado ao Ministério da Economia, que reduzia os valores pagos pelos proprietários de veículos para a obtenção do seguro DPVAT, que é obrigatório.

O presidente da Corte entendeu que a norma expedida pelo Executivo foi uma maneira de “esvaziar” a decisão do STF que este mês derrubou a medida provisória assinada pelo presidente Jair Bolsonaro extinguindo o pagamento do DPVAT.

A decisão, em caráter liminar, representa mais uma derrota ao governo na agenda de flexibilização de regras no trânsito, uma das bandeiras defendidas pelo presidente. Há duas semanas, a Justiça do Distrito Federal já havia determinado a volta dos radares móveis nas rodovias federais, após Bolsonaro suspender em agosto o uso dos equipamentos pela Polícia Rodoviária Federal (PRF).

Durante o ano, o projeto de Bolsonaro que altera o Código de Trânsito Brasileiro também sofreu resistência no Congresso. O relator da proposta na comissão especial que analisa a matéria já derrubou parte das medidas defendidas pelo presidente, como o aumento de 20 para 40 pontos do limite para perdera carteira, oque foi substituído por uma escala com três limites de pontuação, e o fim da multa para quem não utilizar cadeirinha adaptada par acrianças.

“Retaliação'' à corte

A liminar de Toffoli foi tomada em uma ação proposta pela Líder, empresa responsável pelo consórcio que administra os recursos arrecadados com o seguro. O deputado federal Luciano Bivar (PSL-PE), presidente da sigla, ex-aliado e atual adversário de Bolsonaro, é sócio da Excelsior, uma das companhias que integram o consórcio. Em uma transmissão ao vivo no Facebook após a edição da MP, Bolsonaro argumentou que os interessados poderiam contratar um seguro, mesmo sem a obrigação legal.

A nova resolução previa reduções de 68% no montante pago pelos proprietários de carros de passeio e táxi (caindo de R$16,21 para R$5,21) e de 86% para motos( passando de R$ 84,58 para R$ 12,25). No recurso ao Supremo, o consórcio argumentou que as mudanças não vieram acompanhadas de cálculos que justificassem os preços, classificados pela seguradora como “irrisórios’’. A empresa acrescentou que a norma configurava “retaliação” contra a decisão do STF de barrar a extinção do seguro.

Os novos valores haviam sido apresentados na última sexta-feira e oficializados em edição do Diário Oficial na segunda. Na sexta, a titular da Superintendência de Seguros Privados (Susep), Solange Vieira, afirmou que a redução no preço pago pelos proprietários era possível porque a Líder havia acumulado R$ 5,8 bilhões em um fundo. Ela acrescentou que havia uma “arrecadação em prêmios acima da necessária para o pagamento das indenizações”. Os valores são usados em caso de acidentes. Parte dos recursos (45%) é direcionada ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Em nota, a Líder informou que os recursos de que dispõe são resultados de “ações de eficiência da administração e do ostensivo combate às fraudes”. disse também que, com o valor atual pago pelos proprietários, é possível que um projeto de lei avance no Congresso estipulando o aumento da indenização máxima de R $13.500 par a R$25 mil. A nota acrescenta que já há propostas tramitando neste sentido. A Superintendência de Seguros Privados (Susep) declarou que “decisão judicial se cumpre”.

Na decisão de ontem, Toffoli também acrescentou que o objetivo da medida provisória suspensa pela Corte era “semelhante” ao que foi pretendido com a edição da norma com os novos valores — o presidente do STF citou um texto no site da Susep que anunciava a medida. “Por essas razões, entendo que a Resolução CNSP nº 378/2019 esvazia a providência cautelar deferida por essa Suprema Corte nos autos da ADI nº 6.262/DF, razão pela qual compreendo ser o caso de sua suspensão”, finalizou Toffoli.

Além de extinguir o DPVAT, a MP estabelecia que a seguradora repassasse ao Tesouro Nacional a diferença “entre os recursos acumulados nas provisões técnicas do balanço do consórcio e o valor necessário para o pagamento das suas obrigações”.

Já a resolução suspensa ontem, também permitia a abertura do mercado a partir de 2021, possibilitando que outras empresas oferecessem o seguro, hoje operado somente pelo consórcio que tem a Líder à frente. O Conselho que aprovou a medida agora revogada é formado por representantes dos ministérios da Economia e Justiça, do Banco Central, Susep e Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Originalmente, a relatoria da ação sobre o DPVAT havia sido distribuída para o ministro Alexandre de Moraes. Como o Judiciário está em recesso, o processo ficou a cargo de Toffoli. O presidente considerou que havia urgência no assunto, já que a resolução entraria hoje em vigor.

As derrotas do governo em 2019

Redução no DPVAT

Uma resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) previa reduções de 68% no valor pago pelos proprietários de carros e de 86% para motos para o seguro obrigatório DPVAT, que indeniza vítimas de acidentes. O ministro Dias Toffoli, do STF, porém, suspendeu a resolução em caráter liminar.

Fim do DPVAT

Antes disso, em novembro, Bolsonaro assinou uma medida provisória que acabava com o DPVAT a partir de janeiro de 2020. No início deste mês, no entanto, a maioria dos ministros do STF votou para suspender a medida. O relator, Edson Fachin, argumentou que seria preciso aprovar uma lei complementar.

Redução de radares fixos de velocidade

Sob o argumento de que há uma "indústria da multa", o governo federal não renovou contratos que garantiam o funcionamento dos equipamentos nas estradas federais. Após um acordo na Justiça, porém, terá que instalar mais de mil radares fixos.

Suspensão de radares móveis nas rodovias

Em agosto, Bolsonaro determinou que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) deixasse de usar os radares estáticos, móveis e portáteis nas rodovias. A medida, no entanto, também foi revogada por decisão da Justiça Federal do Distrito Federal.

Projeto de trânsito

O governo Bolsonaro enviou ao Congresso um projeto que flexibiliza regras do Código de Trânsito Brasileiro. Parte das medidas, porém, já foi barrada pelo relator da comissão especial que analisa a matéria, como a ampliação de 20 para 40 o limite de pontos necessários para que ocorra a suspensão do direito de dirigir.