Correio Braziliense, n. 21408, 27/10/2023. Política, p. 2-3

CPI culpa Bolsonaro por tragédia da covid

Jorge Vasconcellos
Raphael Felice


Após seis meses de atividades, a CPI da Covid aprovou, ontem, por sete votos a quatro, o relatório final das investigações, que pede o indiciamento de 78 pessoas e duas empresas por suspeita de irregularidades relacionadas ao enfrentamento da pandemia. O primeiro da lista é o presidente Jair Bolsonaro, ao qual o relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), imputou nove crimes, cujas penas somam, ao menos 78 anos de prisão.

O relatório aponta Bolsonaro como um dos principais responsáveis pela maior tragédia sanitária da história do país, que já causou mais de 606 mil mortes. A CPI o acusa, entre outros, de prevaricação, charlatanismo, crimes de responsabilidade e crimes contra a humanidade.

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), informou que, hoje, o relatório será entregue ao procurador-geral da República, Augusto Aras, para possível abertura de ações penais ou aprofundamento das investigações. Também nesta quarta-feira, representantes da comissão levarão o documento ao Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Ainda não está definida a data em que o relatório final será apresentado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Caberá a ele, um aliado do Planalto, decidir sobre o início da tramitação de um eventual pedido de impeachment contra Bolsonaro a partir dos crimes apontados pela CPI.

A lista de indiciados inclui também, entre outros, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello; o atual titular da pasta, Marcelo Queiroga; e os filhos políticos do presidente da República, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). Os três são acusados de incitação ao crime. Na relação há, ainda, empresários, blogueiros e integrantes do “gabinete paralelo”, que orientava o presidente na condução da pandemia.

O nome do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), e o do secretário de Saúde do estado, Marcellus Campêlo, foram colocados na relação horas antes do início da sessão. O relator acatou um pedido do senador Eduardo Braga (MDB-AM), que apontou responsabilidades de ambos no colapso do sistema de Saúde de Manaus, ocorrido em janeiro deste ano. A crise na capital amazonense foi o fato determinado que justificou a criação da CPI.

Já as duas empresas indiciadas no relatório são a Precisa Medicamentos e a VTCLog, acusadas de irregularidades em contratos com o Ministério da Saúde para, respectivamente, a compra de vacinas e a logística da distribuição de imunizantes.

Fake news

A comissão também aprovou um requerimento a ser enviado ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a declaração de Bolsonaro que associou falsamente as vacinas contra a covid-19 e à aids. Os senadores querem que as falas sejam incluídas no inquérito das fake news, que tem o presidente entre os investigados.

A CPI aprovou, ainda, um pedido de quebra do sigilo telemático de Bolsonaro. O objetivo é receber das redes sociais uma série de informações sobre o chefe do governo, como dados cadastrais, registros de conexão e cópia de conteúdo armazenado. Além disso, o colegiado pediu o banimento de Bolsonaro de todas as redes sociais.

“A presidência não é cargo de boteco, em que você fala o que quer, tomando cerveja e comendo churrasquinho. Presidente da República que se reporta ao povo brasileiro baseado em um estudo que não tem cabimento nenhum e fala uma coisa dessa quando estamos implorando para a população se vacinar?”, criticou o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM).

No último discurso que fez como relator da CPI, Calheiros chamou Bolsonaro de “despreparado”, “desonesto”, “caviloso” (falso, fingido), “arrogante”, “autoritário”, “homicida”, entre outras adjetivações. Adversário político do presidente, ele disse que o governo “sabotou a ciência”. “O caos do governo Jair Bolsonaro entrará para a história como o mais baixo degrau da indigência humana e civilizatória. Reúne o que há de mais rudimentar, infame e sombrio da humanidade”, disparou. Ele acrescentou que a comissão cobrará “todas as punições” indicadas no relatório final.

Recado a Aras

Em entrevista coletiva, Randolfe Rodrigues disse esperar que o procurador-geral da República, Augusto Aras, atue conforme o cargo que ocupa ao receber o relatório final da comissão. Ele falou sobre o assunto quando perguntado se havia a possibilidade de o chefe do Ministério Público não dar prosseguimento a ações penais contra Bolsonaro. Aras tem sido acusado, até mesmo entre seus pares, de proteger os interesses da família do presidente.

“Primeiro, eu quero acreditar que o senhor Augusto Aras é procurador-geral da República, antes de ser aliado de quem quer que seja. Esperamos que ele atue como procurador-geral da República. Se não o fizer, existem outros caminhos, no código de processo criminal do nosso país, na legislação penal do nosso país, para levarmos esse relatório à frente”, enfatizou.

De acordo com o senador, em caso de omissão do PGR, a CPI poderá entrar no STF com uma ação subsidiária da pública.

Leia em: https://www.cbdigital.com.br/correiobraziliense/27/10/2021/p2

Governistas reprovam parecer


Os senadores governistas da CPI da Covid protestaram contra o parecer do relator, Renan Calheiros (MDB-AL). Um dos integrantes da tropa de choque do Planalto, Marcos Rogério (DEM-RO) disse que o relatório é “fake news processual”. “Voto contra, primeiro, porque essa CPI se revelou um estelionato político; e segundo, porque o relatório, para mim, é um grande fake news processual”, afirmou. “Estelionato porque esta CPI nasceu para investigar, mas não investigou, e protegeu acusados de corrupção nos estados e municípios. E o relatório é um grande fake news processual porque acusa sem provas, se ancora numa narrativa do jogo pré-eleitoral.”

Já o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) leu uma relação de 21 crimes “supostamente cometidos” por Calheiros, entre eles o de “perseguição”. O filho do presidente também disse que o relatório final é uma “peça política”.

Mesmo votando contra o relatório, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) admitiu que Bolsonaro errou ao provocar aglomerações e ao “dar declarações infelizes sobre a vacina”. “Errou, sim, mas esse relatório se perdeu, errou a mão. E isso deslegitima até algumas coisas que poderiam ser vistas com seriedade. Ultrapassou o limite de uma vingança pessoal, regional, com interesses políticos”, acusou.

Um dos defensores do governo, o senador Luis Carlos Heinze (Progressistas-RS) chegou a ter o nome incluído por Calheiros no parecer com pedido de indiciamento, pelas declarações negacionistas na comissão. Depois, atendendo a uma questão de ordem de Alessandro Vieira (Cidadania-SE), o relator acabou retirando o parlamentar gaúcho da lista.

“Não se gasta vela boa com defunto ruim. Essa CPI fez um trabalho, prestou serviço muito relevante, não posso, a esta altura, colocar em risco nenhum pedaço desse serviço por conta de mais um parlamentar irresponsável”, alfinetou Vieira. “Ele manifestou seus desvarios usando a tribuna desta comissão. Na minha visão pessoal, seria um agravante, mas me rendo aos argumentos no sentido de que a imunidade parlamentar no exercício da tribuna teria uma determinada percepção alargada.”

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Desgaste nas eleições de 2022


As investigações da CPI da Covid chegaram ao fim, mas senadores do grupo majoritário da comissão, formado por independentes e oposicionistas, ainda devem causar muita dor de cabeça para o presidente Jair Bolsonaro. Eles criaram um observatório para acompanhar de perto os desdobramentos judiciais e políticos do relatório final, aprovado, ontem, com pedidos de indiciamento do chefe do governo e de mais 79 investigados. Assim, o Planalto deve sofrer ainda mais desgastes, com possíveis reflexos nas eleições presidenciais de 2022.

Os integrantes do grupo majoritário, também chamado G7, organizaram uma agenda para entregar o relatório final das investigações a várias autoridades, entre as quais, duas que são próximas de Bolsonaro — o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Os senadores pretendem transformar cada uma dessas ocasiões em um ato político contra o governo e o presidente.
As repercussões da CPI devem se somar a outros fatores que têm empurrado para baixo a popularidade de Bolsonaro, como desemprego recorde, inflação em alta, aumento da pobreza e da fome no país. Internamente, aliados do Planalto admitem até mesmo a possibilidade de o chefe do governo não conseguir passar para o segundo turno das eleições.

Senadores governistas, como Eduardo Girão (Podemos-CE), demonstraram preocupação com possíveis repercussões na próxima corrida presidencial. No entanto, Alessandro Vieira (Cidadania-SE) que, recentemente, se lançou pré-candidato ao Planalto, negou que a CPI tenha atuado de forma eleitoreira. "Os indiciamentos são baseados em fatos. O grupo majoritário da CPI tem unanimidade na imensa maioria dos pontos colocados pelo relator", destacou. "A CPI chegou à constatação de que nós temos um presidente criminoso, mas, claro, qualquer manifestação do Parlamento, em especial, em CPI, faz parte da política, mas isso é uma consequência dos atos governo", enfatizou.

Dificuldade

Na opinião do cientista político André Rosa, a imputação de nove crimes a Bolsonaro terá reflexos em 2022. "Acredito que não dê mais tempo para o presidente sofrer impeachment ou que sofra algum processo na Justiça, mas o grande impacto que a CPI vai causar é o eleitoral", disse. "Com as denúncias e revelações, Bolsonaro terá um grau de dificuldade muito maior para ganhar a eleição e até de chegar ao segundo turno."

Segundo ele, a CPI será objeto de grande repercussão nas disputas em 2022 e, também, na formação das preferências do eleitor na hora de votar. "Tal como a Operação Lava-Jato, que impulsionou a candidatura de Jair Bolsonaro, será a covid-19 que proporcionará aos concorrentes o combustível da propagação de campanha negativa em detrimento da gestão do atual presidente", ressaltou. "Outro grande impacto que, certamente, vai tirar votos de Bolsonaro será o tempo desperdiçado tentando defender a gestão da pandemia, tendo menor espaço para defender possíveis avanços do seu mandato", acrescentou.

Outros pedidos de indiciamento

Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde e assessor da SAE

» Epidemia com resultado morte

» Emprego irregular de verbas públicas

» Prevaricação

» Comunicação falsa de crime

» Crimes contra a humanidade, nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos

Marcelo Queiroga, ministro da Saúde 

» Epidemia com resultado morte

» Prevaricação

Onyx Lorenzoni, ministro do Trabalho e Previdência

» Incitação ao crime

» Crimes contra a humanidade, nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos

Walter Braga Netto, ministro da Defesa

» Epidemia com resultado morte

Wagner Rosário, ministro da Controladoria-Geral da União 

» Prevaricação

Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores — epidemia com resultado morte e incitação ao crime  

POLÍTICOS

Ricardo Barros, deputado

» Incitação ao crime

» Advocacia administrativa

» Formação de organização criminosa

» Improbidade administrativa

 Flávio Bolsonaro, senador — incitação ao crime

Eduardo Bolsonaro, deputado — incitação ao crime  

Carlos Bolsonaro, vereador — incitação ao crime

AMAZONAS

Wilson Lima, governador do estado — epidemia com resultado morte, prevaricação, crimes de responsabilidade

Marcellus Campêlo, secretário de Saúde do estado — prevaricação 

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