Correio Braziliense, n. 21406, 25/10/2021. Política, p. 4

Câmara é barreira ao relatório

Raphael Felice


Os integrantes da CPI da Covid votam, amanhã, o relatório final do senador Renan Calheiros (MDB-AL), cujo resumo apresentou na semana passada, com a proposta de enquadramento do presidente Jair Bolsonaro em nove crimes — a acusações de genocídio foi retirada. Uma vez aprovado pelo colegiado, a previsão é de levar o parecer para apreciação da Procuradoria-Geral da República (PGR), para análise de Augusto Aras, já no dia seguinte à apreciação do documento. Os integrantes da comissão de inquérito apresentarão o texto aos ministérios públicos para os casos nos quais não há prerrogativa de foro e, paralelamente, ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para que tome conhecimento dos delitos imputados a Bolsonaro.

Se nos casos da PGR e dos MPs há a certeza, da parte dos integrantes da CPI, de que haverá desdobramentos, em relação ao comando da Câmara as dúvidas são muitas. Isso porque não acreditam que Lira, apesar da robustez dos indícios coletados contra o presidente da República, dará andamento a um processo de impeachment. Ainda assim, na opinião do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), uma pressão da sociedade teria o condão de mudar essa situação.

“Os fatos são graves e estão bem provados. Você tem que ter o discernimento de que cada ator político tem seu papel. Daí em diante, são outras figuras que têm que atuar. Imagino que a cobrança da sociedade e da imprensa vão impulsionar esse processo. Mas, enquanto o Lira tiver acesso às verbas do chamado orçamento secreto, é muito improvável abrir mão dessa situação para processar o presidente da República”, disse Vieira.

Crime de epidemia

Para o senador, “o fato principal (do relatório) é o crime de epidemia, agravado por resultado de morte. O presidente Bolsonaro fez uma escolha de aceleração da propagação do vírus. Ele ouviu (o deputado federal) Osmar Terra e outros. Esse pessoal defende a teoria de que quanto mais rápido circulava o vírus, mais rápido a pandemia acabaria. Essa teoria é dolosamente errada, pois faz muito mais gente morrer”.

O cientista político e especialista em psicologia política André Rosa concorda com a análise do senador, mas acrescenta que Bolsonaro sentirá nas urnas, em 2022, o dano causado pela CPI. “Se você fizer uma radiografia, hoje, consegue entender o comportamento dos congressistas. De modo geral, vão na contramão de condenar Bolsonaro. Não vejo a Câmara dando celeridade a algum processo contra ele. Lira está super-fechado com o presidente. Ele quer algumas emendas e entradas no Executivo até o ano que vem”, observou.

Segundo Ricardo Barretto, advogado e doutor em direito pela Universidade de Brasília (UnB), a comissão de inquérito tem um roteiro bem claro a seguir a partir de agora. Conforme explicou, Aras será o primeiro destinatário do relatório final e terá a tarefa de destrinchar o documento — para avaliar o que cabe à PGR e o que é da alçada dos MPs nos estados.

“O PGR vai submeter o encaminhamento que pretende dar ao Supremo Tribunal Federal (STF). O que não for relativo ao STF será levado às outras instâncias, mas isso para crimes com prerrogativa de foro. No caso de crimes cometidos por pessoas sem foro, o próprio ministério público pode iniciar a investigação, pois tem total autonomia para instaurar investigação”, explicou.

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