O Globo, n. 31445 , 10/09/2019. Opinião, p. 3

Royalties e pacto federativo
Gustavo Binenbojm 


Royalties e participações especiais são compensações financeiras pagas ao poder público pelas empresas que exploram e produzem petróleo e gás natural. A Lei nº 12.734/2012 alterou as regras de distribuição dessas receitas entre os entes federativos, propondo-se a contemplar mais igualitariamente todos os estados e municípios do país, ao custo da redução drástica e desproporcional dos percentuais devidos aos estados e municípios produtores.

O Supremo Tribunal Federal, em março de 2013, suspendeu cautelarmente os dispositivos da referida lei que modificavam a sistemática anterior, em decisão irretocável da ministra Cármen Lúcia, proferida na ADI nº 4.917. O Plenário julgará o mérito de tal ação no dia 20 de novembro próximo. De tal julgamento depende o futuro não apenas do pacto federativo brasileiro, mas, sobretudo, das pessoas e do meio ambiente impactados pelas atividades petrolíferas nos estados e municípios produtores.

A Constituição de 1988 contemplou a participação nas receitas oriundas dessas atividades como parte essencial do pacto federativo por duas razões: primeiro, para compensar a sobrecarga nos serviços públicos dos entes subnacionais que sofrem o impacto em sua população e território da exploração e produção; segundo, como compensação pela perda de arrecadação do ICMS, uma vez que este é cobrado no destino da produção, em exceção à regra geral, que é a cobrança na origem.

Com efeito, nos termos do art. 20, §1°, da Constituição, as participações governamentais têm caráter compensatório, necessariamente vinculado aos entes políticos que suportam as externalidades das atividades petrolíferas e que, ademais, não foram aquinhoados com a possibilidade da cobrança do ICMS na origem. Por isso, ao criar regras de distribuição desvinculadas de tal lógica, a Lei nº 12.734/2012 incorre em flagrante vício de inconstitucionalidade, comprometendo, ainda, a continuidade dos serviços públicos nos entes federativos produtores, como saúde, educação e segurança pública.

De acordo com a Superintendência de Participações Governamentais da Agência Nacional do Petróleo (ANP), a eventual entrada em vigor da malsinada Lei nº 12.734/2012 reduzirá à metade as participações especiais dos estados produtores e a menos que isso no que se refere aos municípios. Só no Estado do Rio de Janeiro e seus municípios, as perdas seriam da ordem de R$ 12,2 bilhões em 2019, alcançando R$ 68,4 bilhões, em cinco anos. Por outro lado, o acréscimo de receita para os estados não produtores seria ínfimo, da ordem de 0,2% para o Rio Grande do Sul, 0,4% para o Paraná e 0,5% para Minas Gerais. Em uma palavra: a Lei nº 12.734/2012, além de comprometer o equilíbrio federativo estabelecido na Constituição, é um típico exemplo populista de medida “perde-perde”: os entes produtores têm tudo a perder, e os não produtores, nada significativo a ganhar. Espera-se que o Supremo cumpra seu papel de guardião da Constituição e declare a sua invalidade jurídica.