O Globo, n. 31494, 29/10/2019. País, p. 6

EUA: Em delação, ‘Rei Arthur’ confirma propina

Chico Otavio
Daniel Biasetto


O empresário Arthur Menezes Soares Filho, o “Rei Arthur”, confirmou o esquema de pagamento de propina para delegados africanos na escolha do Rio para sede dos Jogos Olímpicos de 2016. A revelação faz parte dos termos de um acordo de colaboração premiada que está em andamento no Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ). Foi a colaboração, inclusive, que o salvou do risco de deportação para o Brasil, após ser detido na última sexta-feira, em Miami.

Desde a deflagração da Operação Unfairplay, em 2017, a força-tarefa da Lava-Jato apontava que Arthur Menezes usou a offshore Matlock Capital Group para transferir US$ 2 milhões de uma conta nos EUA para a conta de Papa Diack, filho de Lamine Diack, então presidente da Federação Internacional de Atletismo. O pagamento foi confirmado pelo ex-governador Sérgio Cabral, em depoimento ao juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, em julho deste ano.

Arthur Soares é acusado de pagar propina ao esquema de Cabral em troca de vantagens nos contratos de suas empresas com o governo estadual. Outros US$ 10,4 milhões, segundo a investigação, foram transferidos para o ex-governador Sérgio Cabral via doleiro Renato Chebar, na conta do EVG Bank, entre março de 2012 e novembro de 2013.

Desgaste BrasilxEUA

Essa transação foi comprovada por documentos fornecidos pelas autoridades de Antigua e Barbuda, e pelo gestor do banco Enrico Machado, colaborador da Lava-Jato. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o pagamento era feito com entregas de recursos em espécie, celebração de contratos fictícios com membros da organização criminosa e pagamento de despesas pessoais. Cabral negou a acusação e disse não ter contas no exterior, a não ser a que encerrou em 2003.

Detido na sexta-feira passada pelo U.S. Citizenship and Immigration Services (USCIS), serviço de imigração local, quando tentava renovar o visto de permanência, Arthur Soares foi liberado no mesmo dia depois que os advogados apresentaram cópia dos termos do acordo de colaboração.

O acordo, segundo o Globo apurou, só será homologado pela Justiça quando ficar comprovada a efetividade das revelações feitas por Soares. A sentença também deverá confirmar o valor da multa a ser paga por “Rei Arthur” às autoridades americanas. Com isso, não há qualquer previsão de extradição do empresário, mas ele poderia até ficar preso no país americano, a depender do seu julgamento.

Desde 2017, o MPF aguarda a resposta dos EUA ao pedido de extradição de Soares. A princípio, as autoridades americanas responderam que as provas apresentadas pelo Brasil eram insuficientes para a abertura do processo de extradição. Todavia, fontes da Lava-Jato sustentam que o pedido de complementação já foi atendido há meses.

As negociações para a volta de Soares ao Brasil são motivo de desgaste entre brasileiros e americanos, devido ao silêncio e dificuldade de negociação encontrados pelos integrantes da força-tarefa nos EUA. O Brasil enviou ao governo americano pedidos de bloqueio de bens, quebra de sigilo telefônico e bancário e de extradição do empresário, todos ignorados.

O empresário, que está solto, não esconde a dificuldade da adaptação aos EUA, particularmente com barreira de idioma. Seus amigos, igualmente envolvidos na Lava-Jato, estariam impedidos de ingressar em território americano, o que aumentaria o seu isolamento.

Embora o acordo com o governo americano garanta a sua permanência na Flórida, Arthur Soares autorizou os advogados a iniciar entendimentos com a Lava-Jato no Rio para fechar uma colaboração no Brasil.

Procurado, o Comitê Olímpico do Brasil declarou que “os Jogos foram organizados pelo Comitê Rio-2016”. Em nota, o Comitê Organizador Rio-2016 diz que “foi fundado e constituído depois da escolha do Rio como cidade sede dos Jogos de 2016” e que não participou da fase da candidatura.