O Globo, n.31.575, 18/01/2020. País. p.04

Um conflito a cada três meses
Vinicius Sassine
Marco Grillo 


 

Desde 2014, foram identificadas 26 situações de funcionários com negócios em áreas relacionadas à sua atuação.

A Controladoria-Geral da União (CGU) apontou em pelo menos 26 casos a ocorrência de conflito de interesses por parte de servidores da União que eram donos ou que tinham interesse em ser donos de negócios em áreas relacionadas aos campos de atuação no serviço público. A posição da CGU foi registrada em processos de consulta abertos desde 2014. Isto significa que o órgão apontou uma possível situação de conflito de interesses a cada três meses, impedindo a prática ilegal.

Os casos são semelhantes ao do titular da Secretaria Especial de Comunicação (Secom) da Presidência da República, Fabio Wajngarten, dono de uma empresa contratada por emissoras de TV e por agências de publicidade que, por sua vez, prestam serviços e recebem recursos do governo federal. Cabe à Secom decidir o destino de boa parte desses recursos. Mesmo depois de começar a despachar no Palácio do Planalto, chefiando a comunicação do presidente Jair Bolsonaro, Wajngarten seguiu como principal sócio — com 95% das cotas — da FW Comunicação e Marketing. O caso foi revelado pelo jornal "Folha de S.Paulo". Bolsonaro e o ministro da Secretaria de Governo da Presidência, Luiz Eduardo Ramos, saíram em defesa de Wajngarten. A Secom está vinculada à pasta de Ramos. Alei que trata de conflitos de interesses, a 12.813, em vigência desde 2013, prevê conflito quando o servidor "exerce atividade que implique a prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em decisão do agente público". Também viola aleio exercício de "atividade que em razão de sua natureza seja incompatível comas atribuições do cargo ". Alei prevê punição com demissão e possibilidade de abertura de processo por improbidade administrativa. De acor doco malei, em ca-sode dúvida sobre a existência de conflito de interesses, os servidores devem consultara CGU ou a Comissão de Ética

Pública da Presidência da República. A CGU cuida de funcionários efetivos e comissionados com cargo até DAS-4. A comissão da Presidência é responsável por cargos DAS-5, DAS-6, de dirigentes de estatais, de natureza especial — como o de titular da Secom — e de ministros.

A Comissão de Ética não disponibiliza com detalhes os resultados das consultas formuladas por servidores. Já a CGU disponibiliza em seu site as ementas de seus pareceres em todas as consultas a partir da vigência da lei. De 2014 a 2019, foram feitos 798 pedidos de análise sobre a ocorrência ou não de conflito de interesses. O GLOBO filtrou os casos que dizem respeito a servidores que são sócios ou que querem ser sócios de negócios em áreas diretamente relacionadas às suas atuações, e encontrou 26 casos em que a CGU seguiu as manifestações dos órgãos de origem e apontou a ocorrência de conflito de interesses.

SOCIEDADES CONFLITUOSAS

Um analista do BNDES, por exemplo, foi proibido de manter cotas de sociedade numa empresa que presta serviços de consultoria a clientes interessados em financiamentos do banco público. "O BNDES identificou potencial conflito devido à possibilidade de que o consulente obtenha acesso a informações sobre alterações nas condições operacionais dos financiamentos, que poderão impactar a decisão do melhor momento para encaminhar determinado pleito de financiamento ao BNDES", cita a ementa da CGU, que concordou com o argumento e orientou ao servidor a "excluir do objeto social dessa empresa a previsão de prestação dos referidos serviços de consultoria" caso ele e seu irmão desejassem seguir naquela sociedade. A CGU também enxergou conflitos na participação de um fiscal agropecuário na sociedade de empresa cuja área é fiscalizada por ele. A reco

Comissão de Ética, que avaliará situação de Wajngarten, não detalha casos antigos

mendação foi que "o servidor se abstenha de adquirir cotas da empresa". O órgão discordou ainda da possibilidade de um técnico em segurança do trabalho da Infraero participar de empresa que oferece cursos a empreendimentos contratados pela estatal. Já um auditor da Receita Federal pediu para continuar sendo sócio-cotista de uma empresa que oferece serviços de praticagem, "sem administração ou gerência", segundo o pedido. A Comissão de Ética da Receita entendeu que a atividade "é incompatível com o exercício concomitantemente do cargo público", e acrescentou que a prática não seria recomendável, "pois teria o condão de prejudicar a confiança da população no trabalho prestado pela Receita Federal". A CGU concordou com a ocorrência de conflito de interesses. Em suas manifestações, o secretário de Comunicação de Bolsonaro disse que se afastou da administração de sua empresa, seguindo o disposto de outra lei, a

8.112, que rege o serviço público sem detalhar casos de conflito de interesse. Segundo esta lei, de 1990, o servidor não pode "participar de gerência ou administração de sociedade privada", exceto como "acionista, cotista ou comanditário". Wajngarten sustenta que seguiu orientação da Comissão de Ética da Presidência, sem dizer se houve consulta formal ao colegiado, como manda a lei. A comissão vai analisar o caso neste dia 28, na primeira reunião do ano.


MP de Contas pede que TCU analise atos de Wajngarten

Marco Grillo 

 

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediu à Corte que determine à Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) a adoção de critérios "objetivos e técnicos" para distribuir verbas de publicidade. A representação, assinada pelo subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, solicita ainda que o TCU encaminhe o documento para a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigar possível ato de improbidade administrativa do titular da

Secom, Fábio Wajngarten. A representação tem um pedido de medida cautelar, ou seja, de cumprimento imediato. O documento foi encaminhado ao presidente do TCU, ministro José Múcio. O jornal "Folha de S. Paulo" revelou que uma empresa de Wangarten, a FW Comunicação e Marketing, mantém contratos com emissoras de televisão (Band e Record) que recebem verbas de propaganda da Secom. Três agências de publicidade (Propeg, Artplan e Nova S/B) contratadas pela Secom ou por estatais também mantêm relações comerciais com a FW.

Na representação, o subprocurador-geral escreveu que a atuação concomitante de Wajngarten na empresa e no governo pode configurar conflito de interesses, segundo a lei em vigor desde 2013. "Considero que se faz necessária a atuação do TCU no sentido de apurar os fatos com vistas a adoção de medidas tendentes a proibir a prática ora questionada e de, eventualmente, exigir eventual reparação de dano causado ao erário", disse Furtado. Furtado também pediu ao TCU que o documento seja encaminhado para a Comissão de Ética Pública da Presidência,

que avaliará o caso de Wajngarten no dia 28. Segundo o pedido, há indícios de que a atuação do secretário feriu os princípios da impessoalidade, da igualdade, da isonomia e da moralidade. Já há uma apuração em andamento no TCU sobre possível direcionamento dos recursos publicitários em desacordo com parâmetros de audiência. Procurada na quarta, a Record informou que não se pronunciaria sobre o caso. A Band informou que tem contrato com a FW Comunicação e Marketing desde 17 de dezembro de 2004. A Propeg disse que presta serviço ao Núcleo de Mídia da Caixa Econômica Federal e que, por contrato, o valor total de cada serviço é rateado pelas três agências licitadas. Procuradas, a Artplan e a Propeg negaram irregularidades.