O Estado de S. Paulo, n. 46948, 02/05/2022. Economia & Negócios, p. B2

Educação, crescimento e política monetária

Claudio Adilson Gonçalez


O título pode soar estranho, dado que educação é uma questão estrutural, de longo prazo, e a política monetária cuida das flutuações cíclicas da economia. Mas os bancos centrais, ao tomarem suas decisões, também levam em conta parâmetros de longo prazo, tal como a taxa estrutural de desemprego.

O desemprego possui duas componentes, uma cíclica e a outra estrutural. A primeira oscila de forma inversa aos ciclos econômicos e pode ser afetada diretamente pela política monetária.

A segunda, ou seja, o desemprego estrutural, tem longa duração, podendo persistir por décadas. Possui múltiplas causas, mas a principal é a incompatibilidade entre as habilidades da força de trabalho e as exigidas para o preenchimento das vagas criadas. Muitas vezes esse descompasso é explicado pela automação, pelas dificuldades de retreinamento dos trabalhadores para se adaptarem a novas tecnologias ou pelo deslocamento de empregos para países em que os salários reais são mais baixos.

No Brasil, no entanto, grande parcela do desemprego estrutural pode ser explicada pela péssima qualidade de ensino, principalmente nos primeiros nove anos de aprendizagem (ciclo fundamental), em que se espera que o aluno alcance o domínio de operações aritméticas, da leitura e da escrita para desenvolver a capacidade de obter novos conhecimentos, o que não ocorre.

Segundo o Indicador do Analfabetismo Funcional (Inaf), 30% da população em idade ativa tem fortes limitações para ler, interpretar textos e fazer operações matemáticas em situações da vida cotidiana, o que caracteriza essas pessoas como analfabetas funcionais.

A taxa de desemprego estrutural não é uma variável observável diretamente. Mas modelos estatísticos robustos estimam que no Brasil ela deve estar entre 8% e 9% da força de trabalho. Assim, quando você ouvir um político bradar na tribuna que a culpa pelos 12 milhões de desempregados é dos juros altos determinados pelo Banco Central, lembrese de que, mesmo quando a economia estiver no chamado pleno-emprego, ainda restarão cerca de 9 milhões de pessoas desocupadas em busca de trabalho.

Como diria Nelson Rodrigues, a conclusão é “óbvia e ululante”. O fracasso da educação no Brasil, que alimenta um perverso círculo vicioso com pobreza e desigualdade, não é o único, mas o principal fator de nosso atraso econômico.

Essa situação se arrasta há décadas e seria injusto culpar Bolsonaro por ela. No entanto, o Ministério da Educação deste governo, para o qual já foram indicados cinco ministros, não será lembrado pelos avanços da política educacional. Vai ser difícil esquecer os graves erros ortográficos de Abraham Weintraub, o tal do Escola sem Partido, que na verdade significa escola a serviço das crenças bolsonaristas, e os discursos e atitudes do insólito Milton Ribeiro, inclusive o tiro acidental que disparou no aeroporto de Brasília. 

Economista e Diretor-Presidente da MCM Consultores, foi Consultor do Banco Mundial, Subsecretário do Tesouro Nacional e Chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda