O Globo, n.31.579, 22/01/2020. Mundo. p.25
 

Ponto para Trump

 

O julgamento do impeachment do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, começou ontem no Senado comum acalorado enfrentamento sobre as regras do processo de julgamento na Casa, estabelecidas pelos republicanos e vistas pela oposição democrata como injustas e uma tentativa de “acobertar” as ações do mandatário.

Em revés para os democratas, o Senado rejeitou, por 53 a 47 — obedecendo as linhas partidárias — três moções seguidas apresentadas pelo líder da minoria, Chuck Schumer, para que a Casa Branca, o Departamento de Estado e o Escritório de Gestão e Orçamento da Casa Branca fossem intimados a apresentar documentos relacionados às ações do presidente coma Ucrânia.

Uma quarta moção para a convocação do chefe de Gabinete interino de Trump, Mick Mulvaney, também foi derrotada pelo mesmo placar. Diante da intenção de Schumer de continuar apresentando moções, o líder da maioria republicana, Mitch McConnell, sugeriu votar todas elas de uma só vez. S chu merconcord ou e madiar para hoje algumas das votações, mas recusou a proposta do republicano, e apresentou mais uma moção, requisitando documentos do Pentágono.

 SEIS DIAS DE ALEGAÇÕES

As regras gerais do processo de impeachment, apresentadas na noite de segunda-feira por McConnell, também sofreram alterações.

A proposta inicial dava 24 horas aos sete deputados democratas que atuarão como promotores e outras 24 horas à defesa do presidente para apresentarem seus argumentos.O tem pode cada grupo, no entanto, deveria ser dividido em apenas duas sessões, coma primeira delas começando às 15h (horário de Brasília) de hoje. Os democratas alegaram que isso faria o debates e estender até a madrugada, dificultando à população acompanhar os procedimentos.

TRUMP: ‘CAÇA ÀS BRUXAS’

Quando a resolução foi lida durante a sessão, no entanto, o limite de dois dias foi alterado para três dias, por pressão também de alguns republicanos moderados, como a senadora Susan Collins. Isso estende o período do julgamento, ao permitir que cada lado espalhe seus argumentos durante três sessões, que também serão mais curtas.

Em outra mudança, a resolução apresentada por McConnell passou a inserir automaticamente as evidências coletadas no julgamento na Câmara para os registros do Senado — antes, isso era apenas uma possibilidade.

Quarto presidente na história americana a enfrentar um processo de impeachment e o terceiro a ter seu caso julgado pelo Senado, Trump é acusado de abuso de poder e obstrução do Congresso. As acusações afirmam que o presidente pressionou a Ucrânia a investigar o ex-vice-presidente Joe Biden, potencial candidato democrata na eleição de novembro, e seu filho Hunter, que ocupou um cargo na empresa ucraniana Burisma. Entre os instrumentos de pressão, a Casa Branca suspendeu uma ajuda de US$ 391 milhões ao país europeu.

Na sessão de ontem, o advogado da Casa Branca Pat Cipollone, que lidera a defesa de Trump, atacou as bases das acusações democratas, dizendo que elas não chegam perto do padrão da Constituição para um impeachment.

— A única conclusão será que o presidente não fez absolutamente nada de errado — disse Cipollone. — Absolutamente não há um caso.

Os advogados ainda acusam o processo de falta de isenção e tentam demonstrar que Trump não teve seu direito de defesa respeitado. O presidente, que está em Davos, na Suíça, para o Fórum Econômico Mundial, voltou a dizer que o processo é “vergonhoso” e uma “caça às bruxas”. Em discurso aos líderes reunidos, ele disse que os EUA “estão no meio de um boom econômico que o mundo nunca viu antes”.

BOLTON DIZ QUERER DEPOR

Em resposta, o deputado democrata Adam Schiff, que ajudou a liderar o processo na Câmara, sintetizou as acusações e disse que o presidente havia cometido “má conduta constitucional justificando impeachment”. Segundo ele, as evidências contra Trump “já são esmagadoras”, mas novos testemunhas são necessárias para mostrar o escopo completo das atitudes irregulares do presidente.

— Se um presidente pode obstruir sua própria investigação, ele pode efetivamente anular um poder que a Constituição dá apenas ao Congresso. O presidente se coloca além de responsabilização e acima da lei. Ele não pode ser acusado, não pode ser alvo de impeachment. Isso o torna um monarca — disse Schiff em seu discurso de abertura.

Entre as testemunhas desejadas pelos democratas está John Bolton, ex-conselheiro de Segurança Nacional, que, segundo testemunhas, tinha conhecimento da campanha de pressão sobre a Ucrânia articulada pelo advogado pessoal de Trump, Rudolph Giuliani. Através de seu advogado, Bolton sugeriu ter informações relevantes para compartilhar sobre o assunto e disse estar disposto a testemunhar.

As regras de McConnell, no entanto, preveem que isto seja decidido após os argumentos da acusação e da defesa e as 16 horas de perguntas e respostas que se seguirão — ou seja, na metade do julgamento. Também está previsto que novas testemunhas, se aprovadas, deponham primeiro em privado para que o Senado decida, em seguida, se serão ouvidas publicamente. A admissão de provas também poderá ser submetida à votação, segundo o regulamento proposto por McConnell.

ACUSAÇÃO E DEFESA APRESENTAM SEUS ARGUMENTOS

 

Abuso de poder

 

O que diz a acusação: Considera que há evidências de que houve um pedido formal do presidente para que um governo estrangeiro interferisse na democracia americana. Cita casos de funcionários de alto escalão, como juízes, que foram afastados por terem realizado negócios pouco transparentes, e lembra que as definições legais sobre o impeachment não necessariamente demandam um crime para que o processo vá adiante. Por fim, a acusação reafirma a consistência das provas e a veracidade dos depoimentos, e tacha o argumento da defesa de “errado e perigoso”.

O que diz a defesa: Chama a teoria de “novelesca”, dizendo que os fatos relatados não se encaixam na definição de “altos crimes e contravenções” passíveis de impeachment, segundo a Constituição americana, e podem trazer danos à separação de Poderes. Eles consideram ainda que as acusações foram “montadas” pela oposição, e que, se levadas adiante, podem enfraquecer a Presidência “de forma permanente”.

Obstrução do Congresso

O que diz a acusação: Argumenta que as ações da Casa Branca impediram que a própria Câmara cumprisse seu dever constitucional de fiscalizar a Presidência. Além disso, considera que não houve qualquer tipo de cooperação, ao contrário do que ocorreu nos três processos de impeachment anteriores. A acusação ainda refuta a ideia de que uma colaboração com o processo violaria o princípio de separação de Poderes, dizendo que o presidente “não pode ser o árbitro de seus privilégios”.

O que diz a defesa : Argumenta que invocar privilégios e imunidades “para proteger a separação de Poderes” não torna o presidente passível de afastamento do cargo, referindo-se às ordens expressas da Casa Branca para que integrantes do governo não prestassem depoimentos ou fornecessem documentos à investigação na Câmara. A defesa alega ainda uma “diferença de opiniões legais”, dizendo que isso não pode ser usado para pedir um impeachment.

Alegações iniciais

O que disse a acusação: Menciona as dezenas de horas de depoimentos e que os advogados do presidente foram convidados para as sessões públicas do inquérito. Afirma que muitos dos procedimentos ditos ilegais por Trump por não terem sido autorizados pelo plenário “não requerem esse tipo de aprovação”. Os democratas afirmam ainda que os presidentes “normalmente não participam dessa etapa do processo”, citando o caso de

Richard Nixon, e concluem que, mesmo que houvesse uma falha no processo, “essa seria resolvida quando as provas fossem apresentadas ao Senado”.

O que disse a defesa: Os advogados questionam a abertura do inquérito e a condução dos trabalhos pela oposição democrata, citando as intimações e os depoimentos secretos, tomados no que a defesa chama de bunker. Além disso, eles mencionam o que consideram ser “falhas” no processo, o que inviabilizaria qualquer declaração de culpa.