O Globo, n. 31449, 14/09/2019. País, p. 4

O aceno de Dallagnol
Bela Magale
Juliana Dal Piva
Amanda Almeida
Gustavo Schmitt


Após defender a escolha de um nome da lista tríplice para comandar a Procuradoria-Geral da República (PGR), o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, demonstrou apoio ontem à indicação de Augusto Aras, escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro para o cargo sem participar da eleição do Ministério Público Federal (MPF), em uma rede interna do órgão. Em seguida, Dallagnol recebeu críticas de colegas, entre eles a procuradora Monique Cheker, de quem é próximo. No início da semana, integrantes do MPF protestaram contra o desrespeito à lista tríplice. Na mensagem obtida pelo blog de Bela Megale, Dallagnol afirma que se colocou “diversas vezes em apoio à lista tríplice”, mas que “é hora de trabalhar pelo MPF”. Para ele, “a atuação da Lava-Jato, especialmente, depende de permanente coordenação entre instâncias, inclusive entre primeira (instância) e PGR. “É importante o trabalho conjunto para continuar expandindo as investigações para responsabilizar criminosos e recuperar recursos”, argumentou o procurador.

Os motivos

Para aliados, a mudança de tom é uma estratégia de sobrevivência, já que o procurador está na mira de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em razão das mensagens publicadas pelo site The Intercept Brasil. Hoje, Dallagnol é alvo de oito reclamações e um procedimento disciplinar no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão que tem a prerrogativa de afastar um procurador. Além disso, Aras, que já fez críticas públicas à Lava-Jato, pode presidir ainda este ano o Conselho Superior do Ministério Público (CSMPF), órgão que pode punir Dallagnol.

Procuradores que atuam na Lava-Jato nos estados avaliam que, ao oferecer “ombro amigo” a Aras, Dallagnol procura não só se proteger, mas mira uma promoção para procurador regional. Além disso, já haveria um movimento de acomodação entre membros que resolveram dar um voto de confiança a Aras na esperança de este respeitar a unidade e a defesa do MPF.

Dallagnol relatou aos colegas da PGR que conversou anteontem por telefone com Aras e que o indicado por Bolsonaro “expressou seu compromisso de manter e até fortalecer o trabalho das forças-tarefas”. Em resposta a Deltan, Monique Cheker escreveu que viu a mensagem do colega com “grande lamento”. Ela disse que a escolha do procurador-geral por meio da lista tríplice seria uma garantia mínima. A procuradora afirmou ainda que se preocupava com o fato de “em nome de uma obrigação do PGR (manter uma força-tarefa que está trazendo relevantes benefícios ao país), haja um motivo para elogios públicos”. E completou: “Quando a obrigação vira favor, há algo que precisamos refletir”.

Em seguida, outras mensagens foram publicadas com críticas à manifestação do chefe da força-tarefa. Um procurador do Rio de Janeiro afirmou que Dallagnol não podia falar em nome de todos no combate à corrupção. “Você fez um trabalho magnífico ao longo desses anos, mas isso não o faz representante da instituição, muito menos da Lava-Jato”, disse.

Ao mesmo tempo em que recebeu apoio de Dallagnol, Aras se reuniu com senadores e moldou seu discurso ao perfil de cada parlamentar visitado, ao longo da primeira semana como candidato a procurador-geral. À bancada do PT, crítica à atuação do MP nos últimos anos, especialmente no caso da Lava-Jato, Aras criticou “excessos” em apurações e disse que a instituição tem instrumentos suficientes para cumprir seu papel sem a necessidade de ações midiáticas. Como a aversão à Lava-Jato não é restrita ao PT, o discurso foi repetido em outras conversas.

Moldes

Por outro lado, com o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (RedeAP), conhecido como defensor da Lava-Jato, Aras moderou suas críticas. Comentou que não tem como ser contra a operação, argumentando que sua mulher já trabalhou com o procurador Deltan Dallagnol em investigações anteriores.

Aos que defendem políticas voltadas para os direitos humanos, Aras tem evitado entrar na pauta de costumes. Aborto, temas LGBTs, descriminalização de drogas, uso medicinal da maconha e ligação a movimentos religiosos, especialmente no campo evangélico, são temas nos quais não tem entrado e, quando provocado, fala tangencialmente. A quem o questiona sobre a aproximação de pautas evangélicas, tem dito que o Brasil é laico e que isso deve ser respeitado. Relator da indicação no Senado, Eduardo Braga (MDBAM) deve apresentar parecer favorável ao procurador na próxima quarta-feira. A previsão é que a sabatina ocorra no dia 25. Na sua primeira semana circulando no Congresso, Aras conseguiu diminuir as críticas a o fato de não ter vindo da lista tríplice. Segundo um parlamentar, o procurador disse que a escolha “tirou uma amarra aos futuros presidentes” e que via a lista como “algo muito corporativo ”, que garantia “benesses à categoria ”.