O Globo, n.31.579, 22/01/2020. País. p.12

Ex-presidente da Vale e mais 15 são denunciados por homicídio
Cleide Carvalho 
João Paulo Saconi 


 

Um ano depois do rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), o Ministério Público de Minas Gerais denunciou ontem, por homicídio duplamente qualificado, 16 pessoas pela tragédia, entre elas o ex-presidente da Vale Fabio Schvartsman, 10 funcionários da mineradora e cinco da consultoria Tüv Süd, que atestou a estabilidade da barragem. As duas empresas também foram denunciadas. Todos vão responder ainda por crime ambiental.

Para pessoas físicas, a pena prevista para homicídio qualificado é de 12 a 30 anos de prisão, que são multiplicados por 270, número de mortos da tragédia —total que inclui 11 corpos ainda desaparecidos. A denúncia é a primeira com efeitos práticos para levar envolvidos no rompimento da barragem à Justiça. Até aqui, outras frentes de investigação — incluindo cinco Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) — já tinham indicado possíveis culpados, mas sem poder de processo e julgamento. O caso será analisado pela Justiça estadual mineira, no Tribunal do Júri em Brumadinho.

Os outros funcionários da Vale denunciados ocupavam cargos de chefia na época da tragédia ou faziam parte da equipe de engenharia. No caso da Tüv Süd, a lista inclui o gerente-geral da empresa alemã, Chris-Peter Meier. Além da denúncia à Justiça, o MP pediu a prisão cautelar do gerente-geral da consultoria, sob o argumento de que ele não contribuiu com as investigações. Os promotores destacaram que Meier vive na Alemanha e que podem pedir a colaboração das autoridades do país.

O promotor William Garcia Pinto Coelho, do núcleo criminal da força-tarefa que investigou a tragédia de Brumadinho, afirmou que o crime cometido pelo grupo perdurou de novembro de 2017 a 25 de janeiro de 2019, quando a barragem desmoronou. No período, a Vale e a Tüv Süd teriam produzido “uma gestão de risco opaca”.

“CAIXA PRETA”

A denúncia aponta que um sistema computacional, batizado de GRG, continha informações sobre dez barragens em situação de “risco inaceitável”, mas os dados foram ocultados da sociedade, de acionistas, investidores e do poder público. A Barragem 1 de Brumadinho, que desmoronou, estava entre elas. Para o promotor, a Vale manteve uma “caixa preta” sobre o risco da barragem. O MP afirma que o ex-presidente da Vale omitiu as informações para preservar a imagem da empresa e de sua gestão, que tinha como um dos principais objetivos de curto prazo fazer com que a mineradora a alcançasse liderança mundial em valor de mercado.

Segundo o MP, foram emitidas declarações falsas de segurança. A Vale pressionava empresas de auditoria, como a Tüv Süd, a assinar documentos atestando a segurança de barragens em risco, e o então presidente da mineradora dizia em eventos para investidores e acionistas, que as barragens estavam em “condições impecáveis de segurança”. Coelho citou ainda que Schvartsman deu ordens para identificar e retaliar um denunciante anônimo, que encaminhou em 2019, dias antes da tragédia, um e-mail alertando sobre o risco em Brumadinho.

— Num cenário de gestão crítica, com situação inaceitável, ele (Schvartsman) não adotou medidas e manteve incentivos para maquiar os problemas corporativos e a falsa impressão de segurança da Vale —disse o promotor da força-tarefa do MP.

DEFESAS REBATEM

Em nota, a Vale se disse “perplexa” com as acusações de dolo e disse confiar no completo esclarecimento das causas da ruptura da barragem. Para a empresa, é prematuro afirmar que havia risco consciente “para provocar uma deliberada ruptura da barragem”. Já a Tüv Süd afirmou que “continua profundamente consternada pelo trágico colapso da barragem”, que as investigações sobre a causa do rompimento continuam e ressaltou que “muitos dados de diferentes fontes precisam ser compilados, apurados e analisados”.

A defesa de Fabio Schvartsman disse que o executivo tomou diversas medidas para reforçar a segurança em barragens e ampliar consideravelmente os recursos destinados à área. Também afirmou que denunciá-lo é “açodado e injusto”, porque as investigações não estão finalizadas e a denúncia desconsidera documentos apresentados às autoridades “que revelam a ausência de comunicação de quaisquer problemas em Brumadinho à presidência da Vale”.