O Globo, n.31.579, 22/01/2020. País. p.06

MPF Denuncia Glenn
Aguirre Talento
Leandro Prazeres


 

O Ministério Público Federal (MPF) apresentou ontem denúncia contra sete pessoas, incluindo o jornalista Glenn Greenwald, pela invasão do Telegram de autoridades públicas. Para o procurador Wellington Divino Marques de Oliveira, da Procuradoria da República no Distrito Federal, Glenn foi “partícipe” nos crimes de invasão de dispositivos informáticos e monitoramento ilegal de comunicações de dados, além de associação criminosa. Caberá à Justiça decidir se abre ou não uma ação penal.

Glenn afirmou que o procurador busca atacar a imprensa, e argumentou que, na conclusão do inquérito que precedeu a denúncia, a Polícia Federal afirmou não ter encontrado indícios de cometimento de crime por parte dele. No relatório apresentado no fim do ano passado, o delegado Luiz Flávio Zampronha, que conduziu o inquérito, escreveu: “Assim, pelas evidências obtidas até o momento, não é possível identificar a participação moral e material do jornalista nos crimes investigados”.

Também foram denunciados o hacker Walter Delgatti Neto, que admitiu ter invadido as contas e repassado as conversas para o jornalista, e outras cinco pessoas ligadas a ele: Thiago Eliezer Santos, Gustavo Henrique Elias Santos, Suelen Priscila de Oliveira, Danilo Cristiano Marques e Luiz Henrique Molição.

O prosseguimento da ação contra Glenn envolve também uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em agosto, ele concedeu uma liminar, a pedido do partido Rede, proibindo que qualquer autoridade pública praticasse “atos que visem à responsabilização do jornalista Glenn Greenwald pela recepção, obtenção ou transmissão de informações publicadas em veículos de mídia”. O ministro afirmou que sua decisão tinha o objetivo de garantir a “proteção do sigilo constitucional da fonte jornalística”. Gilmar não se manifestou ontem. Segundo o que O GLOBO apurou, ele considerou a denúncia uma afronta à sua decisão.

O procurador argumentou que a decisão de Gilmar não foi descumprida, porque Glenn não foi investigado. Segundo ele, durante o inquérito foram encontrados diálogos entre o jornalista e um dos hackers, que acabaram fundamentando a acusação. Num dos trechos, um dos acusados, Luiz Henrique Molição, e Glenn conversam sobre a necessidade de manter os arquivos capturados e apagar a conversa entre os dois. O jornalista diz que buscava apenas proteger o sigilo da fonte.

CRIMES AINDA EM CURSO

Para o procurador, no entando, o fato de os crimes de invasão ainda estarem ocorrendo demonstram participação ilegal de Glenn. “Diferentemente da tese apresentada pelo jornalista, Greenwald recebeu o material de origem ilícita enquanto a organização criminosa ainda praticava condutas semelhantes, buscando novos alvos, possuindo relação próxima e tentando subverter a noção de proteção ao ‘sigilo da fonte’ para, inclusive orientar que o grupo deveria se desfazer das mensagens que estavam armazenadas para evitar ligação dos autores com os conteúdos ‘hackeados’”, diz a denúncia.

Oliveira é o mesmo procurador que denunciou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, pelo suposto crime de calúnia contra Moro. A denúncia foi rejeitada pela Justiça Federal.

Glenn divulgou uma nota afirmando que a denúncia é “um ataque direto” ao STF e à PF. O jornalista publicou ainda um vídeo no Twitter dizendo que Oliveira “abusa de seu poder como promotor”.

O MPF concluiu que Delgatti Neto foi o “responsável direto e imediato” pelas invasões do Telegram de 176 pessoas, utilizando uma brecha no sistema. Além disso, a Procuradoria concluiu que Delgatti, após as invasões, monitorou as conversas de 126 pessoas em tempo real.

Entre os alvos estavam o ministro da Justiça, Sergio Moro, e o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol. Segundo as investigações, as conversas copiadas do Telegram de Dallagnol foram repassadas ao site “The Intercept

Brasil” e subsidiaram reportagens.

O advogado Ariovaldo Moreira, que defende Delgatti Neto, Santos e Suelen, afirmou que as acusações são de “cunho político” e sem embasamento.


Maia diz que há ‘ameaça à liberdade de imprensa’
Bruno Góes
João Paulo Saconi 
Carolina Brígido 



O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), afirmou ontem que a denúncia feita pelo Ministério Público Federal (MPF) contra Glenn Greenwaldé“uma ameaça à liberdade de imprensa”. Na mesma linha, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo

Tribunal Federal (STF), disse que a acusação pode implicar “inibição no direito de informar”. Entidades ligadas ao jornalismo, como a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) afirmaram existir risco à liberdade de expressão na ação.

“A denúncia contra o jornalista @ggreenwald é uma a me açaà liberdade de imprensa. Jornalismo nãoé crime. Sem jornalismo livre não há democracia”, escreveu Maia, no Twitter.

O ministro Marco Aurélio disse ao GLOBO que considera “ruim para a sociedade” a denúncia contra o jornalista.

— Receio muito qualquer ato que possa implicar uma inibição no direito-dever de informar — disse ele, ressaltando que não leu a denúncia.

Outro ministro do STF ouvido em caráter reservado discorda. Ele observou que, se as informações publicadas pelo site “The Intercept Brasil” tiverem sido obtidas de forma criminosa, o jornalista deveria responder pelos atos.

Já o presidente Jair Bolsonaro disse acreditar na Justiça:

— Quem denunciou foi a Justiça. Você não acredita na Justiça? — disse Bolsonaro, corrigindo depois: —MP.

A Fenaj afirmou em nota que “a denúncia do MPF é uma forma de intimidação ao jornalista ”, eque o“oM PF ignora a Constituição, que asseguraa liberdade de imprensa ”.

A ABI defendeu que a denúncia é “inepta” e uma tentativa de condenar o jornalista. Já a Abraji avaliou que os diálogos apresentados pelo MPF não confirmam as acusações do promotor Wellington Divino Marques de Oliveira. E fez um apelo para que a Justiça Federal rejeite a denúncia, “em respeito não apenas à Constituição, mas à lógica”.

A OAB afirmou que acompanha a denúncia contra Greenwald com “grande preocupação”, já que o fato descrito na acusação não pode ser considerado crime. Para a OAB, o caso é um risco à liberdade de imprensa.

Para a Anistia Internacional, a denúncia “é profundamente grave e representa uma escalada na ameaça à liberdade de imprensa no Brasil”.