O Globo, n.31.578, 21/01/2020. Sociedade. p.19

O enem da inconsistência
Paula Ferreira 


Dois dias após ser alertado por estudantes e reconhecer “inconsistências” na contagem de pontos de candidatos que realizaram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2019, o Ministério da Educação apresentou ontem a dimensão do problema: 5.974 pessoas — 0,15% dos 3,9 milhões que fizeram as provas — foram afetadas em cerca de 200 cidades, com 96,7% das ocorrências concentradas em Alagoinhas (BA), Viçosa (MG), Ituiutaba (MG) e Iturama (MG). Apenas os estados de Roraima e Amapá não tiveram problemas.

Segundo o MEC, todas as notas já foram corrigidas, motivo por que a abertura de inscrições no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) foi mantida para hoje. O encerramento delas, no entanto, foi prorrogado por dois dias, para o próximo domingo (26). OSis ué aporta de entrada para as universidades federais e parte das estaduais, para quem fez o Enem 2019 e não zerou a redação.

Responsável pelo exame, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) reafirmou que os erros na correção do Enem foram consequência de uma falha no processo de impressão das provas e dos cartões-resposta, de responsabilidade da gráfica Valid Soluções S. A.—que preferiu não comentara acusação.

O Inep recebeu 172 mil emails de candidatos relatando erros, e todas as 3,9 milhões de provas da última edição do Enem foram conferidas pelo instituto, num trabalho que mobilizou cerca de 300 pessoas. Somente 30 inconsistências foram verificadas no primeiro dia de provas (Linguagens, Ciências Humanas e Redação); as demais ocorreram no segundo dia (Matemática e Ciências da Natureza).

A apuração do Inep indica que houve problema na impressão de lotes de prova, o que justificaria a concentração de erros em determinadas cidades.

— Corrigimos as notas de todos os participantes com todos os gabaritos possíveis e calculamos a proficiência — disse Alexandre Lopes, presidente do Inep. — O que observamos foi que, na hora de fazer um pacote de prova, a máquina fazia o login, “engasgava” e lia errado, aí errava o pacote inteiro.

Segundo Lopes, um problema mecânico ocasionou a falha na correção da prova. Duas máquinas diferentes imprimem o caderno de questões e o cartão-resposta; depois, uma terceira máquina une os dois papéis, que são identificados com código de barras e o código do participante.

No entanto, um problema no equipamento teria“descasado” aprova e ocar tão, fazendo com que uma prova amarela, por exemplo, estivesse vinculada a um cartão-resposta de outra cor.

Ele afirmou ainda que nenhum candidato foi prejudicado e que a falha não macula a aplicação da prova em 2019.

PROCESSO

O Inep afirmou que vai abrir um processo administrativo contra a Valid. Questionado sobre a possibilidade de excluir agrá ficado próximo pregão para a realização do Enem, Lopes disse que o órgão“seguirá alei ”.

— Será (definido) em função do processo administrativo se a sanção será administrativa ou judicial. Vamos cumprir e seguir as regras de licitação: multa, advertência —afirmou Lopes.

—Independentemente disso, já tínhamos abertas duas licitações para nossos processos de gráfica, e estamos estudando como melhorar os contratos.

Entre os candidatos que tiveram anota modificada, o Inep informou que, no caso das provas do primeiro dia, cerca de 90% dos afetados registraram aumento na nota após a correção. Já entre os candidatos com inconsistência no segundo dia de prova, 80% tiveram acréscimo na média após a resolução do problema.

O Inep sustenta que o erro não interferiu no nível de proficiência da prova, porque o número de falhas é estatisticamente irrelevante para alterar o nível da prova, calculado pela Teoria de Resposta ao Item (TRI) — que confere pesos diferentes às questões, o que permite que alunos que acertaram o mesmo número de questões tenham notas diferentes.

Lopes afirmou que o órgão estuda a implementação de “testes de consistência” para incorporar à correção da prova nos próximos anos.

—Já temos diversos testes de consistência que fazemos a olongo do processo de correção. Isso faz com que agente revise o processo e evite que isso aconteça no futuro. Além disso, coma implementação do E nem digital, esse tipo de ocorrência vai deixar de existir. Vamos ter mais confiabilidade.

A Advocacia Geral da União já foi acionada pelo Inep para atendera possíveis questionamentos judiciais que possam vir em relação à edição 2019 do exame, afirmou o presidente do Inep.

‘TIRA A CREDIBILIDADE’

Entre os candidatos a uma vaga na universidade que haviam sido prejudicados, o clima era de alívio coma correção da nota, mas com críticas ao Inep.

—Eu tinha acertado 36 de 45 questões de Matemática e tirado 376,3 pontos. Passo upara 833,2. Ade Ciências da Natureza também aumentou em 300 pontos— disse a estudante Lívia Fialho, de 19 anos, de Viçosa.

Candidata à Medicina na UF V ena Universidade Federal de Ouro Preto( UFO P ), ela se diz aliviada após a angústia causada pelo erro.

—Antes dessa correção, estava todo mundo desesperado, por não saber se anota seria corrigida antes do Sisu. Agora foi um alívio. Mas espero que o Inep se prepare melhor para que isso não aconteça de novo, tira a credibilidade do exame e afeta muito o psicológico dos estudantes.

 Entenda a falha no Enem 2019

 

 

> Quando as falhas foram detectadas?

Na noite de sexta-feira (17), mesma data em que o resultado oficial foi divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela aplicação da prova. Os problemas foram reportados em redes sociais inicialmente por candidatos de Viçosa (MG). Eles alegavam que, apesar de terem acertado muitas questões, suas notas estavam surpreendentemente baixas. Inicialmente, o Inep atribuiu a discrepância à metodologia de correção, chamada Teoria de Resposta ao Item (TRI), que confere pesos diferentes às questões, o que permite que alunos que acertaram o mesmo número de questões tivessem notas diferentes.

> O que o Inep fez a partir das reclamações?

Foi montada uma espécie de força-tarefa envolvendo o instituto, a Cesgranrio, a Fundação Getúlio Vargas( FGV) e agráfica responsável pela impressão das provas, a Valid Soluções S.A, par atentar identificara origem dos erros. “Pegamos todos os quase 4 milhões de participantes e corrigimos as provas deles com todos os gabaritos possíveis, calculamos todas as proficiências possíveis. Então, olhamos todas as situações em que poderia ter algum tipo de modificação de nota”, afirmou o presidente do Inep, Alexandre Lopes.

> Qual foi o erro encontrado pelo M EC, equemo causou? Segundo o Ministério da Educação, a falha foi cometida pela gráfica Valid Soluções S.A. “O problema, basicamente, foi na hora da impressão, em que a máquina pulou”, disse o ministro Abraham Weintraub. “Foi um problema coma impressão da prova, não foina hora de contabilizar. Apessoa praticamente teve uma nota inteira da segunda prova negativada, anota fica muito baixa. Não foi um caso pontual em duas, três questões.”

> Quantos candidatos foram afetados?

Segundo o Inep, 5.974 pessoas (0,15% do total que fez aprova) foram atingidas, 95% delas em quatro cidades: Alagoinhas, na Bahia, Viçosa, Ituiutaba e Iturama, em Minas Gerais. Apenas os estados de Roraima e Amapá não tiveram problemas.

> Qual o impacto no Sisu?

A abertura das inscrições no Sistema de Seleção Unificada foi mantida para hoje, mas o encerramento foi adiado por mais dois dias, terminando agora no domingo (26). Para concorrer, é preciso ter feito o Enem 2019 e não ter zerado a redação. O resultado da seleção será divulgado no dia 28 de janeiro.