O Globo, n.31.577, 20/01/2020. País. p.05

No Paraguai, 75 presos de facção criminosa cavam túnel e fogem

 

Integrantes da maior facção criminosa que atua dentro e fora de presídios do Brasil, 75 presos paraguaios e brasileiros fugiram ontem de uma penitenciária da cidade de Pedro Juan Caballero, no Paraguai, divisa com Ponta Porã (MS). O caso fez com que a ministra da Justiça do Paraguai, Cecilia Pérez, colocasse o cargo à disposição do presidente Mario Abdo Benítez, que não aceitou o pedido de renúncia.

Uma lista recebida pelo Ministério da Justiça do Brasil aponta que, entre os fugitivos, 40 são brasileiros e 35 são paraguaios. A suspeita é que a ação foi detalhadamente planejada. Segundo o ministério da Justiça paraguaio, os criminosos fugiram por um túnel construído a partir de um dos banheiros das celas. Cinco caminhonetes utilizadas na fuga foram encontradas incendiadas em Ponta Porã, a uma avenida de distância de Pedro Juan Caballero.

A fronteira entre o Paraguai e o Mato Grosso do Sul tinha pontos de bloqueio ontem à noite, mas continuava aberta. Segundo a Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Mato Grosso do Sul, 200 policiais reforçaram as ações de busca aos foragidos. O governo estadual também aumentou o efetivo na divisa com os demais estados brasileiros.

Diante de evidências de que a fuga pode ter sido possibilitada com a colaboração da equipe que trabalha no presídio, em troca de US$ 80 mil, a ministra Cecilia Pérez informou que destituiu o diretor da prisão e que dezenas de agentes penitenciários foram detidos:

— Há forte suspeita de que os funcionários estejam envolvidos no esquema de corrupção.

A porta-voz da polícia paraguaia, delegada Elena Andrada, relatou que os criminosos fizeram um “túnel como vemos nos filmes, com iluminação interna, e que começou em um dos banheiros das celas”. Ainda segundo Elena, a proximidade entre o túnel e um dos pontos de trabalho dos vigias do presídio —a distância era de 25 metros — reforça a suspeita de que a equipe no local pode ter cooperado com a fuga. Já o ministro do Interior do Paraguai, Euclides Acevedo, disse ontem desconfiar da teoria de que os detentos fugiram apenas pelo túnel.

— Acreditamos que esse túnel foi um recurso enganoso para maquiar a liberação dos presos. Aqui há cumplicidade com as pessoas lá dentro (do presídio) e esse é um fenômeno que abrange todas as penitenciárias —declarou.

Em uma circular divulgada na noite de ontem, a pasta da Justiça paraguaia revogou férias de agentes penitenciários e determinou que todos os representantes da classe se apresentem em seus postos de trabalho hoje. Até o fechamento desta reportagem, ninguém foi recapturado, mas as polícias paraguaia e brasileira trabalham na região para tentar encontrar os foragidos.

BOLSONARO ACOMPANHA

O ministro do Gabinete de Segurança de Institucional (GSI), Augusto Heleno, afirmou que o presidente Jair Bolsonaro está sendo informado sobre os acontecimentos e acompanha a situação. A pasta mantém operação na fronteira com helicópteros e barreiras e está em contato com as polícias locais. O ministro Sergio Moro afirmou ontem, em uma publicação no Twitter, que o Brasil está à disposição para ajudar a capturar os criminosos.

“Estamos trabalhando junto com as forças estaduais para impedir a reentrada no Brasil dos criminosos que fugiram de prisão do Paraguai. Se voltarem ao Brasil, ganham passagem só de ida para presídio federal. Estamos à disposição também para ajudar o Paraguai na recaptura desses criminosos”, escreveu Moro.

 

Fuga revela desconexão entre países vizinhos

A fuga da penitenciária de Pedro Juan Caballero expõe o descompasso entre os governos do Brasil e do Paraguai no combate às organizações criminosas que atuam na fronteira. Autoridades paraguaias se queixam de que o país vizinho alega falta de vagas para rejeitar sempre a extradição de presos brasileiros pertencentes a uma das principais facções criminosas nacionais. No Brasil, porém, a fuga reforça a suspeita de que as instituições paraguaias estão contaminadas pela corrupção. Os presos abriram um túnel, mas poderiam facilmente ter escapado à luz do dia pela porta da frente do presídio.

Em novembro, na “Operação Patrón”, a força-tarefa da Lava Jato do Rio de Janeiro identificou uma extensa lista de agentes e autoridades paraguaias que teriam recebido propina para fazer vista grossa ao mega esquema de tráfico de cocaína e pasta base envolvendo o empresário brasiguaio Antônio Joaquim da Mota, o Tonho, em Pedro Juan Caballero. Tonho foi acusado de dar cobertura à fuga do doleiro Dario Messer. Essa operação, na qual foi pedida a prisão de Horário Cartes, ex-presidente paraguaio, abriu uma crise diplomática e aprofundou as desconfianças mútuas na tentativa de definir estratégias conjuntas.