O Globo, n. 31492, 27/10/2019. Economia, p. 35

O futuro de cada um

Gabriel Martins
Karen Garcia


Na última terça-feira, o Senado deu a palavra final a favor da emenda constitucional que promove a reforma mais ambiciosa da Previdência Social aprovada em três décadas. A partir da promulgação do texto pelo Congresso, prevista para novembro, haverá uma alteração substancial nas regras para o acesso à aposentadoria: a introdução da idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres.

A medida é o centro da tentativa do governo de reduzir o impacto do déficit da Previdência nas contas públicas. O governo estima uma economia de R$ 800 bilhões em dez anos, mas a idade mínima e outras mudanças, como o cálculo de contribuições e benefícios, afetam também a vida de milhares de trabalhadores brasileiros a longo prazo. Quem acaba de entrar no mercado de trabalho ou mesmo aqueles que já estão no fim da jornada profissional serão obrigados a repensar seus planos.

Atenção à transição

Os mais jovens precisarão traçar estratégias para uma vida mais longa no trabalho que a de seus pais. Os mais velhos terão que ficar atentos às regras de transição para requerer a aposentadoria com o menor impacto sobre seus planos de carreira originais. Na hora da decisão, dizem os especialistas, cada caso é um caso.

— É preciso que a pessoa esteja atenta aos novos critérios para saber sevai precisar trabalhar mais, e a duração desse novo período — diz o advogado previdenciário João Badari. O brasileiro está vivendo mais. Entre 2010 e 2017, a expectativa de vida no país subiu de 73,9 para 76 anos. Se isso obriga o governo a refazer as contas, o mesmo vale para o trabalhador. A recomendação dos analistas é não só manter as contribuições para o sistema previdenciário público, que também tem a função de seguridade, mas também investir numa reserva capaz de gerar renda complementar.

— A previdência privada é um bom investimento principalmente para quem está começando a vida econômica, pois terá mais tempo para acumular recursos —diz Luiz Felipe Veríssimo, especialista em direito previdenciário. Leia abaixo como a reforma da Previdência mexe com a vida de cinco trabalhadoras.

Cinco trabalhadoras. Cinco perspectivas

Leila Nilcéia, 63 anos, professora

Quando a professora Leila Nilcéa, de 63 anos, completou o tempo de contribuição necessário para a aposentadoria especial da categoria (25 anos), em agosto, deu logo entrada no processo no INSS. Há dez anos ela atua como coordenadora pedagógica em uma escola de educação infantil e ficou com medo de, com a reforma da Previdência, perder as condições especiais para professores por não estar em sala de aula.

— Depois de tanto tempo de trabalho e espera, seria muito ruim uma negativa. É desgastante porque não consigo acompanhar o processo. Falta transparência. Fico com medo de não conseguir — diz ela sobre a espera. Segundo o advogado previdenciário Luiz Felipe Veríssimo, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu funções relacionadas ao magistério como parte da categoria. Além disso, o especialista explica que todas as solicitações de aposentadoria feitas antes da aprovação da reforma seguem as regras antigas.

Leiliana Rodrigues, 37 anos, enfermeira

Leiliana é enfermeira concursada do Instituto de Psiquiatria da UFRJ desde 2017. Nessa profissão, ela tem direito à aposentadoria especial, com 25 anos em atividade de risco, dez como servidora, cinco no mesmo cargo e 86 pontos na fórmula que conjuga tempo de serviço e idade, explica João Badari, advogado previdenciário.

— O trabalho é desgastante, é difícil se manter na enfermagem ativamente por mais tempo até se aposentar — diz Leiliana.

Para os demais servidores, há regras de transição com períodos a mais de serviço, como pedágio. Numa das regras, a tabela de pontos aumenta até chegar a 100 para mulheres e 105 para os homens, com idade e tempo mínimo de contribuição.

Letícia Farias, 24 anos, economista

Nos primeiros passos da carreira, aos 24 anos, a economista Letícia Farias pensa diferente dos pais, que sempre se preocuparam com a aposentadoria. Para ela, hoje, não faz diferença a introdução de idade mínima para acessar o benefício:

— Não pretendo depender exclusivamente da Previdência. Faço investimentos de médio e longuíssimo prazos para garantir renda no futuro — diz ela, que planeja contratar previdência privada após os 30. Letícia já trabalhou com carteira assinada, mas não vê essa como a única forma de trabalhar. O advogado Luiz Felipe Veríssimo lembra que contribuir para o INSS não serve só para contar tempo de contribuição para aposentar. Tem principalmente função de seguridade em casos como o de doença.

Suely Ladeira, 48 anos, técnica em radiologia

A técnica em radiologia Suely Ladeira, de 48 anos, recebe pensão desde a morte do marido, servidor estadual, há 19 anos. Trabalha desde os 15, mas só em 2011 teve carteira assinada e registro no INSS. — Sempre trabalhei para não depender exclusivamente da pensão e ficar vulnerável a atrasos no pagamento. Com a reforma, só vou me aposentar por idade. Desde 2008 pago um plano de previdência privada para ter mais segurança — conta. Com as novas regras, ela se aposentará aos 62 desde que tenha completado 15 anos de contribuição. Quando isso acontecer, receberá 100% da aposentadoria ou da pensão, o que tiver maior valor, e uma parcela do outro benefício, segundo o advogado Luiz Felipe Veríssimo. Não será possível acumular tudo.

Maria Terezinha Yunes, 43 anos, gerente de comércio

Maria Terezinha Yunes, de 43 anos, contribui há 25 anos para o INSS. Pelas regras atuais, poderia se aposentar em cinco anos. Após a reforma, ela precisará trabalhar mais.

— Não tenho como abrir mão do meu benefício integral. Vou ser obrigada a trabalhar mais tempo para não perder minha renda — lamenta Terezinha. Para o advogado João Badari, a melhor regra de transição para o caso dela é a do pedágio de 100%. Como faltam cinco anos para que Terezinha chegue ao tempo mínimo de contribuição (30 anos para mulheres), ela deve multiplicar por dois este período, ou seja, contribuir por mais dez anos. Além disso, precisa atingir a idade mínima de 57 anos. Assim, ainda faltam 14 anos para ela se aposentar.