O Globo, n. 31497, 01/11/2019. Sociedade, p. 20

Óleo no nordeste
Johanns Eller
Renato Grandelle


Em meio ao avanço do óleo em pontos turísticos nordestinos — ontem, as manchas chegaram a Porto Seguro (BA), atingindo Arraial d’Ajuda e Trancoso —, pesquisadores pedem cautela a banhistas e consumidores e rebatem tentativas do governo de garantir a segurança das praias e dos peixes.

Cientistas condenam a liberação da pesca de lagosta e camarão, que havia sido suspensa pelo Ministério da Agricultura, e o tom suave adotado pela pasta da Saúde ao definir os potenciais estragos provocados pela substância que invadiu as praias.

O óleo que chegou ao Nordeste é formado por uma mistura de hidrocarbonetos, entre eles o benzeno, que é cancerígeno, destaca Jorge Machado, médico sanitarista da Fiocruz. A contaminação pelas substâncias tóxicas pode ocorrer por sua ingestão, inalação ou absorção pela pele.

Na semana passada, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, reconheceu o dano da substância. Na última quarta-feira, porém, ponderou que ainda não haveria evidências para corroborar que o óleo é prejudicial à saúde.

— As substâncias presentes no óleo podem provocar tonteira, encefalia, vômito, conjuntivite, até câncer — ressalta Machado. —A exposição da população a esse produto deve ser reduzida ao mínimo. Quem chegar perto deve usar roupas protetoras e depois descartá-las. Por isso, recomendo que os voluntários sejam cada vez menos usados na limpeza das praias. O ideal é empregar máquinas.

Para Djalma Ribeiro da Silva, professor do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), as praias potiguares receberam baixa concentração de óleo, se comparada a estados vizinhos. É, no entanto, o suficiente para preocupar a população — que, em sua avaliação, ainda não foi devidamente informada.

— Recebemos muitos restaurantes querendo examinar peixes, porque a procura pelo comércio teve uma queda brusca — relata. — Para a população, não adianta dizer que não tem problema. É preciso mostrar um laudo.

Ontem, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, desistiu de suspende rapes cade lagostas e camarões em locais afetados pelo óleo no Nordeste, medida que havia anunciado na véspera. A ministra afirmou que “novos dados”, sem especificá-los, mostram que não há necessidade de proibição. Tereza Cristina, assim como Mandetta, assegurou que não há “nada no laboratório” que mostre que o óleo é tóxico.

Professor do Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Paulo Pena condena as declarações dos ministros.

— É uma irresponsabilidade negar que estamos lidando com um produto extremamente tóxico — sublinha. — O governo deveria decretar estado de emergência em saúde pública, disponibilizando mais recursos humanos, econômicos e laboratórios para mapear as praias atingidas, as comunidades pesqueiras afetadas e a toxicidade do óleo.

Segundo os pesquisadores, ninguém deve se banhar nas praias ou se alimentar de peixes que têm ou tiveram registro de óleo, mesmo que aparentemente limpos.

— Por prudência, não é recomendado — pondera Pena.

— O óleo passou por águas rasas e profundas e pode ter se diluído na areia. Também é possível ver os resíduos da substância nos manguezais, onde trabalham os pescadores.

Ação de vigilância

Uma carta elaborada por cientistas da UFBA destacou que, embora milhões de pessoas frequentem praias e consumam pescados e mariscos, ainda não houve uma “ação efetiva do Sistema de Vigilância em Saúde para garantir segurança alimentar e nutricional a essa população”. Os componentes do óleo penetram o organismo dos animais e, por isso, podem contaminar quem os ingerir. O documento, endossado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), recomenda a interdição das atividades de pesca e mariscagem nas áreas oleadas e a mobilização de unidades do SUS para orientar os consumidores.

Procurado pelo GLOBO, o Ministério da Saúde afirmou que Mandetta sustenta que “não foram encontrados elementos que comprovem risco à saúde pública ”: “O ministérios abeque produtos derivados do petróleo, como o benzeno, são prejudiciais à saúde, mas reforça que sua concentração no petróleo bruto como encontrado neste momento pode variar de menos de 0,5% a 4% do total. Portanto, para uma exposição ao benzeno, considera-se que o risco seja baixo, até o momento”. Os ministérios da Agricultura e do Turismo não responderam à reportagem.

Em transmissão ao vivo em rede social, ontem, o presidente Jair Bolsonaro disseque “já está mais do que comprova do que o óleo é da Venezuela” e que “talvez consiga um tempo para ir na região” para “dizer que estamos realmente preocupados como Nordeste ”. A seu lado, o secretário da Pesca e Aquicultura, Jorge Seif Júnior, afirmou que os pescados brasileiros foram testados e são “perfeitamente” seguros para consumo.

“As substâncias presentes no óleo podem provocar tonteira, encefalia, vômito, conjuntivite, até câncer”

Jorge Machado, médico sanitarista da Fiocruz

“O óleo passou por águas rasas e profundas e pode ter se diluído na areia. É possível ver os resíduos da substância nos manguezais, onde trabalham pescadores”

Paulo Pena, professor da Universidade Federal da Bahia