O Globo, n. 31611, 23/02/2020. País, p. 8

CNJ já puniu juízes por exercer atividades político-partidárias

Carolina Brígido


O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já puniu juízes por conduta considerada política. Na segunda feira, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apresentou reclamação ao órgão contra o juiz Marcelo Bretas, que conduz a Lava-Jato no Rio, por ter participado de inauguração de obra pública e evento gospel ao lado do presidente Jair Bolsonaro e do prefeito do Rio, Marcelo Crivella. O corregedor nacional de Justiça, Humberto Martins, determinou, então, que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) apure o caso.

Como cada caso apresenta particularidades diferentes, os precedentes do CNJ não necessariamente serão aplicados ao caso de Bretas. Além disso, as decisões foram tomadas por conselheiros que não estão mais no órgão hoje. A formação atual poderá ter outro entendimento sobre o assunto.

Em março de 2013, o CNJ decidiu manter a pena de aposentadoria compulsória ao juiz Luís Jorge Silva Moreno, do Tribunal de Justiça do Maranhão. Ele foi acusado de praticar atividade política na cidade de Zé Doca, onde exercia a magistratura. Segundo testemunhas, o juiz participou de comícios, passeatas e outros eventos políticos locais. E chamou de “ladrão” o grupo que conduzia a prefeitura do município. No julgamento, Bruno Dantas, que integrava o CNJ na época e hoje é ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), considerou sólidas as provas do engajamento político do magistrado.

— A Constituição afastou magistrado da atividade política para garantir a isenção necessária —defendeu. O então corregedor do CNJ, Francisco Falcão, seguiu na mesma linha:

— A participação em evento político é incompatível com a função de magistrado.

Em abril de 2014, o CNJ aplicou uma pena mais branda, de advertência, ao juiz Milton Biagioni Furquim por discursar na posse de seu irmão como vice-prefeito na cidade de Itapeva (MG). Furquim atuava na comarca de Monte Sião, no mesmo estado. Para estabelecer a punição, os conselheiros levaram em conta o artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), que diz que o juiz tem o dever de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

“Incompatível”

O procurador-geral da Justiça do Pará, Gilberto Valente Martins, que já integrou o CNJ, considera “totalmente incompatível” com o cargo a participação de juízes em eventos de cunho político. Ele pondera que é parte da vida institucional o presidente de um tribunal participar de evento com integrantes de outros Poderes, mas considera inapropriado quando um juiz sem qualquer representatividade no Judiciário faz isso sozinho. —Cada caso é um caso. O juiz tem que ter uma postura imparcial. Isso não quer dizer que ele não possa participar de uma inauguração dentro do Judiciário. Mas considero incompatível um juiz subir em palanque em evento de caráter político-partidário — declarou Martins. Um ex-integrante do CNJ, que preferiu não se identificar, considera que a conduta de Bretas é incompatível com a magistratura:

— Eu não acho correto. Juiz não pode ficar indo em evento de político. Bretas se defendeu nas redes sociais argumentando que “em nenhum momento cogitou-se tratar de eventos político-partidários, mas apenas de solenidades de caráter técnico/institucional (obra) e religioso (culto)”. O magistrado ressaltou que a participação de juízes em eventos dessa natureza é muito comum e expressa a harmonia entre os Poderes, “sem prejuízo da independência recíproca”.