O Globo, n.31.580, 23/01/2020. Economia. p.17

Impacto nas receitas
Manoel Ventura 

 

O Ministério da Economia deve retirar a arrecadação prevista com a privatização da Eletrobras das receitas do Orçamento de 2020. O governo esperava receber R$ 16,2 bilhões com a venda da estatal. As incertezas políticas que rondam a privatização, anunciada inicialmente em 2018, ainda durante o governo Michel Temer, são a justificativa para que a equipe econômica retire esse valor de suas contas oficiais. As mudanças fazem parte das contas que o governo vem refazendo para adequar o Orçamento de 2020, sancionado há menos de uma semana, a novas previsões de receitas e despesas.

A retirada da Eletrobras exigirá um contingenciamento (ou bloqueio de recursos) no Orçamento deste ano que será anunciado provavelmente em março. O valor a ser congelado, no entanto, deve ser menor do que os R$ 16,2 bilhões esperados com a venda da estatal, porque o governo calcula aumentar a previsão de outras receitas, principalmente de impostos, em razão do crescimento da economia. Há ainda a expectativa de ingresso de mais dividendos do BNDES, totalizando cerca de R$ 15 bilhões, mas apenas em meados do ano.

—Estamos sendo cautelosos. Vamos tirar esse valor da Eletrobras do Orçamento, mas o contingenciamento não será dessa dimensão —garantiu uma fonte.

A Câmara dos Deputados sequer começou a analisar o

projeto enviado em novembro pelo governo com o modelo para a venda da estatal. Até agora, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não criou a comissão especial que vai avaliar a privatização.

Esse é um passo necessário para iniciar a análise do projeto pelos deputados. Na Câmara, a maior oposição vem de deputados do Nordeste e de Minas Gerais.

O Senado também tem forte resistência à privatização da Eletrobras, vindo principalmente da bancada do MDB. Sondagens feitas pela ala política do governo entre os parlamentares dão conta de que, hoje, o projeto não seria aprovado pelos senadores, de acordo com interlocutores da equipe econômica.

Sem sinais claros que a venda da estatal vai avançar, a equipe econômica se vê obrigada a tirar o valor da venda das previsões de arrecadação, para não ser acusada de trabalhar com receitas artificiais.

DESPESA EXTRA

Caso a privatização da Eletrobras ande, sua receita estimada pode voltar ao Orçamento. Além do problema da estatal, contudo, outra questão que precisará ser equacionada logo no começo do ano, como O GLOBO mostrou em sua edição de ontem, é a despesa extra com o salário mínimo R$ 6 maior em relação ao anunciado no fim do ano. Para 2020, o governo faz as contas para ver o que vai ser preciso bloquear, mas tenta segurar ao máximo a necessidade de cortes. Em 2019, o contingenciamento superou R$ 30 bilhões, depois liberados graças aos recursos do megaleilão do pré-sal.

Uma das esperanças do governo neste ano é o crescimento maior da economia. O Orçamento foi feito com base numa projeção de crescimento do PIB de 2,32%. Agora, a previsão oficial subiu para 2,4%. O crescimento do PIB é o principal parâmetro para a receita projetada. Quando a previsão de crescimento sobe, a receita também sobe.

Outra expectativa é a de uma arrecadação maior com dividendos de estatais, especialmente BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. O Orçamento tem uma previsão oficial de R$ 13,2 bilhões para essas receitas, que podem ser maiores.

O acompanhamento bimestral das receitas e despesas federais ocorre por conta da meta de resultado das contas públicas. Para 2020, o Congresso autorizou um rombo de R$ 124 bilhões. É esse valor que o Ministério da Economia vai perseguir ao longo do ano.

O primeiro relatório do ano, englobando janeiro e fevereiro, será publicado em março. Por meio desse documento, as estimativas são ajustadas.

Se a receita cai, por exemplo, é preciso contingenciar para deixar os gastos de acordo com essa nova estimativa. É por isso que o Ministério da Economia, ao retirar a arrecadação prevista com a privatização da Eletrobras do Orçamento, deve ter também que contingenciar recursos em proporção semelhante.

Será o segundo ano seguido em que a privatização da Eletrobras sai do Orçamento. Em 2019, a venda da estatal também estava incluída nas previsões de receitas, mas com um valor menor, de R$ 12,2 bilhões. O valor foi retirado no início do ano. Em 2020, o governo voltou a incluir a venda da estatal no Orçamento e aumentou o valor para R$ 16,2 bilhões.