O Globo, n.31.580, 23/01/2020. País. p.04

Prazo indeterminado 
Carolina Brígido

 

Provisoriamente na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) durante o recesso, o ministro Luiz Fux suspendeu ontem a aplicação da regra do juiz de garantias, prevista na Lei Anticrime aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro. Fux revogou a decisão do presidente da Corte, Dias Toffoli, que na semana passada deu prazo de seis meses para a norma entrar em vigor. Agora, não há mais prazo. A decisão recebeu elogio do ministro da Justiça, Sergio Moro, e crítica do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que a considerou “desrespeitosa” a Toffoli e ao Parlamento.

A liminar tem duração até o plenário do tribunal julgar o caso, o que não tem previsão para acontecer e depende de Fux, relator do caso. Na decisão, o ministro ressaltou que a liminar “não interfere nem suspende os inquéritos e os processos em curso na presente data”.

Fux também suspendeu outros trechos da lei que não tinham sido alvo da decisão de Toffoli. Um deles obriga membros do Ministério Público a informar ao juiz de garantias todo o inquérito ou investigação instaurada. Também foi suspenso o artigo que autoriza o juiz de garantias a determinar de ofício — ou seja, sem pedido da acusação ou da defesa —o arquivamento de uma investigação. A liminar também atingiu o sistema de rodízios de juízes de garantias previsto para locais onde há apenas um magistrado.

Aprovada em dezembro, a lei determina que o juiz de garantias passará a acompanhar e autorizar etapas dentro do processo, mas não dará a sentença. Caberá a esse juiz atuar na fase da investigação e autorizar, por exemplo, a quebra dos dados sigilosos dos investigados. Depois da fase inicial, o processo será transferido para outro juiz, que sentenciará ou absolverá os réus. Hoje, o magistrado que conduz a fase de inquérito é o mesmo responsável pela sentença. A intenção da nova regra é dar mais isenção aos julgamentos.

“EFEITO CASCATA”

Fux ressaltou na decisão que a norma do juiz de garantias não cria novos cargos de juízes ou varas criminais. Ao mesmo tempo, não especifica como seria reestruturado o Judiciário para acomodar a mudança. Para o ministro, a legislação está “apartada da realidade fática”. Na avaliação dele, colocar a lei em prática resultaria em uma “desorganização dos serviços judiciários em efeito cascata de caráter exponencial, gerando risco de a operação da Justiça criminal brasileira entrar em colapso”.

Ele também ressaltou a necessidade de se observar as “realidades locais”, como falta de magistrados em várias comarcas, baixa digitalização dos processos e dificuldades de deslocamento de servidores entre comarcas com apenas um único magistrado. “A instituição do juiz de garantias altera materialmente a divisão e a organização de serviços judiciários em tal nível que demanda uma completa reorganização da justiça criminal do país”, escreveu.

O ministro da Justiça, Sergio Moro, elogiou a decisão em uma rede social. Moro defendeu que uma mudança estrutural precisa de estudo e não pode ser feita subitamente. “Não se trata de ser contra ou a favor do juiz de garantias. Uma mudança estrutural da Justiça demanda grande estudo e reflexão. Não pode ser feita de inopino. Complicado ainda exigir que o Judiciário corrija omissões ou imperfeições de texto recém-aprovado, como se fosse legislador positivo”, afirmou o ministro.

Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou ontem que a liminar de Fux desrespeita Toffoli, após ser questionado se a decisão do ministro do STF desrespeitou o Congresso.

— Desrespeita principalmente o presidente do Supremo —disse Maia.

A decisão de Fux foi tomada em quatro ações: uma de autoria do Podemos e do Cidadania; outra da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe); outra do PSL; e uma da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp). Foi da Conamp o questionamento que levou à suspensão de novos trechos. Para a entidade, a norma fere a autonomia do MP e dos tribunais para definirem seu funcionamento.

Principais pontos das liminares

> TOFFOLI DECIDIU

> Prazo: suspendeu por seis meses a aplicação da norma do juiz de garantias aprovada no Congresso e sancionada por Bolsonaro para o Judiciário se adaptar à medida.

> Exceções: derrubou a norma para processos da Lei Maria da Penha, ações criminais tramitando na Justiça Eleitoral e processos originários — ou seja, aqueles contra autoridades com direito ao foro privilegiado.

> Adaptação: determinou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) concluísse até o fim de fevereiro um estudo para viabilizar a aplicação da regra.

> FUX DECIDIU

> Sem data: revogou a decisão de Toffoli e suspendeu a norma por tempo indeterminado até que o plenário julgue o caso. Não há data para isso acontecer.

> Arquivo: suspendeu o artigo que autoriza o juiz de garantias a determinar de ofício – ou seja, sem pedido da acusação ou da defesa – o arquivamento de uma investigação.

> Rodízio: a liminar atingiu trecho da lei que previa rodízio de juízes de garantias em locais com apenas um magistrado, para compensar a falta de pessoal. Para Fux, isso causaria caos no sistema de Justiça.

 

Associação aproveitou troca de bastão no plantão do Supremo
Carolina Brígido 

 

Todo ano é assim: em dezembro, janeiro e julho, o Supremo Tribunal Federal (STF) encerra suas atividades usuais e trabalha em regime de plantão, quando apenas decisões urgentes são julgadas. O responsável por conceder ou negar as liminares nesses períodos é o presidente da Corte —no caso, Dias Toffoli. Ele costuma revezar a tarefa com seu vice, Luiz Fux. Até o dia 18, Toffoli era o ministro de plantão. No dia 19, a missão foi transferida para Fux.

Com essas datas previstas desde dezembro, os advogados que conhecem o perfil decisório de cada ministro aproveitam para escolher quem vai julgar suas causas. Na primeira metade do recesso, partidos políticos e associações de juízes entraram com ações contestando a norma do juiz de garantias, prevista em lei sancionada em dezembro. Apesar de ter considerado a regra constitucional, Toffoli suspendeu a aplicação dela por seis meses.

A decisão do presidente da Corte deu um alívio imediato para quem é contra a regra do juiz de garantias. No entanto, não resolveu o problema, só adiou. Já sabendo de antemão que

Toffoli considera a medida legítima, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) esperou terminar o plantão do presidente. Na segunda-feira, primeiro dia útil do período de Fux, a entidade entrou com nova ação contra o juiz de garantias.

GRAU DE CERTEZA

A Conamp sabia que Fux é contra a norma. O ministro já tinha dito isso a interlocutores, que fizeram o recado chegar às associações de classe. Portanto, havia algum grau de certeza da decisão que, ao fim, foi tomada pelo ministro.

A troca de bastão no plantão do STF tem outras faces. Anteontem, o Ministério Público Federal denunciou o jornalista Glenn Greenwald por associação criminosa. Ele foi acusado pelas reportagens publicadas no site “The Intercept Brasil”, escritas com base em diálogos do então juiz Sergio Moro e de procuradores da República sobre a Lava-Jato.

Em agosto do ano passado, o ministro Gilmar Mendes deu liminar impedindo que o jornalista americano fosse responsabilizado pelo conteúdo das reportagens sobre as conversas. A defesa pretende entrar com uma reclamação no Supremo por descumprimento da decisão de Gilmar. No entanto, os advogados devem fazer isso depois do recesso. A aposta no tribunal é que Fux não concederia liminar para suspender a denúncia. Se a defesa entrar com a reclamação em fevereiro, quando o tribunal retomar suas atividades, o caso será encaminhado para o gabinete de Gilmar Mendes —que, segundo interlocutores do ministro, deverá decidir a favor de Glenn Greenwald.