O Estado de S. Paulo, n. 46941, 25/04/2022. Política, p. A10

Barroso vê uso das Forças contra o sistema eleitoral; Defesa reage

Eduardo Rodrigues


O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Luís Roberto Barroso criticou ontem o que considera um movimento político com a intenção de usar as Forças Armadas para atacar o processo eleitoral do País. O Ministério da Defesa reagiu à manifestação do ministro e disse que a declaração é "irresponsável" e "ofensa grave".

"É preciso ter atenção a esse retrocesso cucaracha de voltar à tradição latino-americana de colocar o Exército envolvido com política. É uma péssima mistura para a democracia e uma péssima mistura para as Forças Armadas", disse Barroso durante evento virtual promovido pela universidade alemã Hertie School, de Berlim.

A uma plateia de estudantes brasileiros na Alemanha, Barroso defendeu a integridade das urnas eletrônicas e condenou tentativas de politização dos militares. Ele ressaltou que as Forças Armadas devem resistir, como já têm feito, a serem objeto de "paixões políticas". "Todos nós assistimos a movimentos para jogar as Forças Armadas no varejo da política. Isso seria uma tragédia para a democracia e para as Forças", disse o ministro. "Desde 1996 não há um episódio de fraude no Brasil. Eleições totalmente limpas e seguras e auditáveis. E agora se vai pretender usar as Forças para atacar o processo e tentar desacreditá-lo."

Na noite de ontem, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, divulgou nota na qual diz repudiar "qualquer ilação ou insinuação, sem provas, de que as Forças Armadas teriam recebido orientação para efetuar ações contrárias aos princípios da democracia". "Afirmar que as Forças Armadas foram orientadas a atacar o sistema eleitoral, sem a apresentação de prova ou evidência de quem orientou ou como isso aconteceu, é irresponsável e constitui-se em ofensa grave a essas instituições", disse o titular da Defesa. Ainda segundo a pasta, a fala de Barroso "afeta a ética, a harmonia e o respeito entre as instituições".

Trocas. Barroso destacou, ainda, as trocas promovidas pelo presidente Jair Bolsonaro no governo. "Até agora o profissionalismo e o respeito à Constituição têm prevalecido (nas Forças). Mas não deve passar despercebido que profissionais respeitadores da Constituição foram afastados, como o general Santos Cruz, o general Maynard Santa Rosa, o general Fernando Azevedo. Os três comandantes das Forças foram afastados. Não é comum isso", disse o ministro do STF.

Em cerimônia do Dia do Exército, na semana passada, Bolsonaro afirmou que as Forças Armadas "não dão recados" e "sabem" o que é melhor para o povo. "Não podemos jamais ter eleições no Brasil sobre as quais paire o manto da suspeição", disse ele.

Como presidente do TSE, Barroso convidou militares para participar da Comissão de Transparência, que analisa o processo de apuração eleitoral e o uso das urnas eletrônicas.

Desfile. Sem citar o nome de Bolsonaro, Barroso mencionou, no evento virtual, a participação do presidente em atos antidemocráticos. "Tivemos momentos graves na experiência recente brasileira, com a participação do presidente da República em um comício na porta do QG do Exército pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo."

"Eles (militares de Roma) não entravam com as suas tropas nos espaços do poder civil. Portanto, um desfile de tanques na Praça dos Três Poderes é episódio com intenção intimidatória", disse Barroso.