O Globo, n.31.581, 24/01/2020. País. p.06

Governo teve ‘retrocesso’ anticorrupção, diz entidade
Rayanderson Guerra
Madalena Romeo 


 

O Brasil caiu uma posição no ranking mundial de percepção da corrupção de 2019, segundo levantamento da Transparência Internacional, divulgado ontem. O país passou a ocupar 106ª colocação no Índice de Percepção da Corrupção (IPC). Este foi o quinto recuo seguido do Brasil, que registrou seu pior resultado desde 2012. Para a organização, o resultado reflete a falta de avanço do governo do presidente Jair Bolsonaro na agenda contra a impunidade, embora tenha sido eleito com um discurso anticorrupção em 2018.

O coordenador de Pesquisa da Transparência Internacional, Guilherme France, afirmou que, apesar da plataforma eleitoral, o governo ficou marcado por suspeitas de corrupção envolvendo figuras como o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, denunciado pelo caso das candidaturas laranjas do PSL em Minas Gerais, além das investigações de “rachadinha” no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), quando era deputado estadual no Rio. France citou ainda as ameaças do presidente Jair Bolsonaro de trocar o comando da Polícia Federal, e apontou retrocessos além do Poder Executivo.

— No Judiciário, nós vimos a decisão do ministro Toffoli de paralisar o compartilhamento de informações entre a Receita Federal e o Coaf e autoridades investigativas. Uma decisão bastante problemática que só veio a ser revertida no fim de 2019 —afirmou France.

A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, de paralisar investigações foi tomada após um pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, no caso que envolve seu exassessor Fabrício Queiroz. Em relação a medidas percebidas como retrocessos no Judiciário, France citou ainda a transferência da competência de casos de corrupção ligados a caixa dois para Justiça Eleitoral.

Em relação ao Legislativo, medidas como a lei de abuso de autoridades e as “brechas” na legislação sobre financiamento de campanha eleitoral foram citadas pelo coordenador de Pesquisa da Transparência Internacional como sinalizações negativas do país no combate à corrupção.

—A reforma eleitoral para 2020 aumentou os riscos de corrupção no financiamento eleitoral, com lacunas e brechas para que partidos políticos usem recursos públicos. E a lei de abuso de autoridade também carrega um risco de que políticos investigados e altos executivos retaliem de alguma forma juízes, promotores e delegados —avaliou France.

EM QUEDA

O Índice de Percepção da Corrupção (IPC) vai de 0 a 100 e classifica os países com base no quão corrupto o setor público é percebido por executivos, investidores, acadêmicos e estudiosos da área da transparência. O IPC analisa aspectos como propina, desvio de recursos públicos, burocracia excessiva, nepotismo e habilidade dos governos em conter a corrupção.

O Brasil vem caindo no ranking desde 2014. Em 2016, o país ficou em 79º, e desceu para 96º em 2017. A nota brasileira neste ano foi igual à de 2018: 35 pontos, mesmo índice de países como Albânia, Costa do Marfim, Macedônia e Mongólia.