O Globo, n. 31491, 26/10/2019. País, p. 6

Minerva em disputa

Carolina Brígido


Passada a primeira rodada do julgamento sobre a possibilidade de prisões após decisões judiciais de segunda instância, a probabilidade de o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, desempatar a votação ficou ainda mais nítida. De um lado, ministros que defendem as prisões depois de confirmada a condenação pela segunda instância alimentam esperança de convencer Toffoli a engrossar o time. De outro, quem votou pelas prisões apenas depois do trânsito em julgado — ou seja, quando terminam todos os recursos da defesa — também tenta conquistar o apoio do presidente.

Até a primeira semana de novembro, quando o julgamento será retomado, os dois lados da Corte disputarão o voto de Toffoli. Em outras ocasiões, o presidente já defendeu um caminho do meio, em que o cumprimento das penas estaria autorizado a partir da condenação confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) — uma espécie de alternativa entre as duas correntes formadas até agora no tribunal. Se o ministro apresentar essa tese ao plenário, haverá impasse, com cinco votos de cada lado e o dele no meio.

A hora h

Na proclamação do resultado, deve ser aberta uma discussão acirrada. Quem é adepto do trânsito em julgado se recusa a migrar para a

“solução Toffoli”. Preferem que o presidente mude de voto a favor da tese que autoriza condenados a aguardarem em liberdade por mais tempo. Um dos integrantes desse time disse reservadamente que, se permanecer o empate, prevalece a regra do trânsito em julgado, já que não haveria maioria para se mudar essa regra expressa da Constituição Federal.

No grupo da segunda instância, também há esperança de ver o voto do presidente somar-se ao deles. No entanto, ao menos três ministros que compõem essa corrente já admitiram, reservadamente, a possibilidade de mudar de voto para acompanhar Toffoli. Nessa corrente, um dos ministros chegou a propor ao presidente que, diante do empate, o resultado não seja proclamado e se mantenha a jurisprudência atual, que é pelas prisões depois da segunda instância.

O timing do presidente

Apesar de embolar o cenário, o caminho do meio é cômodo para o presidente da Corte por dois motivos. Primeiro porque, ao não defender o trânsito em julgado, ele não se indisporia com o presidente Jair Bolsonaro, que já fez declarações favoráveis à prisão antecipada de condenados. Por outro lado, ao votar contra a segunda instância, Toffoli dá um recado claro aos investigadores da Lava-Jato. Para ministros do tribunal, o grupo de Curitiba cometeu exageros ao longo da operação.

Se for forçado a optar por um dos caminhos que não seja a alternativa mediana, o mais provável é Toffoli virar para o trânsito em julgado, o que mudaria a regra atual que autoriza as prisões de condenados em segunda instância. Um auxiliar próximo do presidente do tribunal explicou que o processo foi pautado neste momento porque ele sabia que daria o voto decisivo. Era a chance que precisava para mudar a jurisprudência da Corte para o lado que considerasse mais conveniente.

Outro motivo para o julgamento ocorrer agora é que Toffoli acabou de chegar ao meio do mandato, ainda com plenos poderes sobre a Corte. Dentro do tribunal, quando um presidente se aproxima do fim do mandato —o de Toffoli se encerrará em setembro de 2020 —, o café começa a ficar frio, como se diz em Brasília. Significa que ele já não é mais tão ouvido pelos colegas e as atenções começam a se voltar para o sucessor no cargo.

A partir do ano que vem, Luiz Fux assumirá o comando do STF. Como já disse aos quatro ventos, o ministro defende as prisões em segunda instância e é contrário ao julgamento das ações agora. Para ele, a jurisprudência atual foi consolidada em 2016, o que seria um intervalo de tempo muito pequeno para ser revista pelo STF. Fux, portanto, não pautaria esse assunto se fosse presidente do tribunal.