O Globo, n. 31491, 26/10/2019. Opinião, p. 2

Aumentam incertezas na Argentina com a disputa de poder na oposição



Cristina Fernández de Kirchner tem sido personagem influente, mas de pouca visibilidade, na disputa presidencial que mobiliza 33 milhões de argentinos às urnas no domingo. Tendo sido presidente por duas vezes (de 2007 a 2015), a senadora peronista agora é candidata a vice na chapa de Alberto Fernández, seu antigo chefe de gabinete na presidência. Os Fernández, que não são parentes, despontam como favoritos no embate com o presidente Mauricio Macri, cujas chances de reeleição minguaram com a rejeição ao seu programa gradualista de ajuste fiscal. A campanha termina sem que a dupla tenha elucidado uma questão-chave para a parte do eleitorado argentino que lhes promete o voto: em qual dos Fernández estarão votando para exercer o poder real da presidência, caso sejam eleitos?

A dúvida se fundamenta na personalidade de Cristina, de carisma e ambição de poder reconhecidos desde 2003, quando o marido, Néstor Kirchner, se elegeu presidente. Além disso, emergem contradições entre os Fernández sobre como seria a condução da política econômica, impulsionadas pela clara disposição da ala liderada pelos filhos de Cristina — o grupo La Cámpora — para disputar espaço nas decisões de um eventual governo.

Alberto tem se esforçado para demonstrar que, se eleito, exercerá efetivamente o poder presidencial. No entanto, às vezes deixa entrever a fragilidade da aliança com Cristina — para muitos, resultante de conversas dele com Jorge Mario Bergoglio, antigo arcebispo metropolitano de Buenos Aires e hoje Papa Francisco. Em recente reunião com investidores americanos, em Buenos Aires, o candidato sugeriu, por exemplo, que Cristina prepara a retirada da vida política argentina, e relegou à periferia do peronismo o movimento La Cámpora. Certo é que proliferam dúvidas sobre qual dos Fernández prevaleceria no poder, se vencedores. Temores se materializam no mercado financeiro, onde crescem as apostas contra o combalido peso argentino. O cenário eleitoral favorável aos Fernández, apesar dos esforços de Macri para garantir um segundo turno, impele a cotação do dólar no mercado futuro.

Depois de subir mais de 60% nos últimos 12 meses, a moeda americana chegou ao patamar de 75 pesos. Nesta semana, aumentou para 95 pesos nos contratos financeiros com liquidação prevista para março do ano que vem. É o custo da incerteza sobre o rumo do país, caso os Fernández vençam a disputa com Macri amanhã.