O Globo, n.31.581, 24/01/2020. País. p.04

Bolsonaro estica a corda
Daniel Gullino 
Gustavo Maia 
Guilherme Caetano 


 

A ideia de recriar o Ministério da Segurança Pública, desmembrando-o da pasta da Justiça, confirmada ontem pelo presidente Jair Bolsonaro, deixou insatisfeito o ministro Sergio Moro, que não abrirá mão de comandar as duas áreas para continuar no governo. Como informou ontem o blog de Bela Megale, no site do GLOBO, o ministro lembrou a aliados que estar à frente da Segurança foi uma condição para que aceitasse deixar a magistratura e compor o ministério, em novembro de 2018. Ontem, Moro não deu declarações públicas sobre o caso.

Antes de embarcar rumo à Índia, pela manhã, Bolsonaro ratificou que a ideia está em estudo e reconheceu que ela desagrada ao ministro. O presidente ressaltou que “é lógico” que Moro deve ser contra. Evitando um desgaste público com um de seus principais assessores, Bolsonaro afirmou que a proposta partiu de secretários estaduais de Segurança, com os quais se reuniu na tarde de quarta-feira. A versão foi amplificada durante o dia de ontem por aliados do presidente.

O presidente acrescentou ainda que, se a pasta da Segurança for recriada, sua intenção é deixar Moro na Justiça, e nomearia outro ministro para o novo cargo. Bolsonaro disse ainda que consultará outros ministros sobre a proposta. O presidente lembrou que a ideia tem muitos adeptos, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

— É comum receber demanda de toda a sociedade. E ontem [quarta] eles (secretários estaduais de segurança) pediram para mim a possibilidade de recriar o Ministério da Segurança. Isso é estudado. Estudado com o Moro. Lógico que o Moro deve ser contra, mas é estudado

com os demais ministros —explicou Bolsonaro.

Ao comentar o caso, Bolsonaro acrescentou que, quando convidou Moro para o governo, poucos dias após ser eleito, ainda não estava previsto que sob seu ministério ficariam as áreas de Justiça e Segurança.

— É o que era inicialmente. Tanto é que, quando ele foi convidado, não existia ainda essa modulação de fundir (a Justiça) com o Ministério da Segurança —disse o presidente.

OUTRAS PALAVRAS

No entanto, à época, o então presidente eleito afirmou, desde o dia do convite, que Justiça e Segurança Pública estariam juntas. Bolsonaro afirmou, em 1º de novembro de 2018, logo após o convite, que Moro iria para o “Ministério da Justiça e Segurança Pública”, norteado por “sua agenda anticorrupção, anticrime organizado”. Esse também foi o nome da pasta citado pelo ministro na ocasião.

Se o presidente evitou declarações públicas de confronto com o ministro, um de seus mais próximos aliados partiu para a crítica mais aberta ao ministro. Cotado para ser o futuro ministro da Segurança Pública se a pasta for recriada, e amigo de décadas de Bolsonaro, o ex-deputado federal Alberto Fraga defendeu a mudança como forma de dar mais prioridade à pauta da segurança e disse que Moro não tem méritos na redução dos índices de criminalidade ocorrida durante o ano passado.

—Eu sou autor de 15 projetos de lei em relação à segurança pública, sempre trabalhei na comissão da segurança. Sou coronel da Polícia Militar da reserva e não sou o dono da verdade. Vou vivendo e aprendendo coisas novas no dia a dia. Como é que alguém vem e intitula alguém que é juiz como o bambambam? Não, isso está errado — disse Fraga.

—Quero que você me aponte qual foi a medida que ele (Moro) adotou (para a redução da criminalidade.

Com a redução de homicídios no país, a área de segurança tem sido frequentemente usada por Moro como vitrine de sua gestão. Perder essa parte do ministério significaria ter de abrir mão de uma área que, ao menos no primeiro ano de governo, tem tido números a apresentar.


Exposição de Moro gera reação de Bolsonaro

Eduardo Bresciani 

 

Ao aceitar ser ministro no governo Jair Bolsonaro, o então juiz da Lava-Jato Sergio Moro justificou sua decisão dizendo que tinha “a perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado”. O fato de passar a comandar a área de segurança pública fez com que fosse chamado de “superministro”. Ao admitir publicamente a possibilidade de retirar esse tema da alçada de Moro, Bolsonaro mais uma vez faz gesto para enfraquecer seu auxiliar mais popular. E o faz justamente na semana que começou com Moro sob holofotes, entrevistado no programa Roda Viva, da TV Cultura, o que aumentou a exposição do ministro —e possíveis ciúmes no Palácio do Planalto. O ex-juiz também comemorou, nesta semana, uma vitória com a decisão do vicepresidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, de barrar a lei que criou o juiz de garantias —sancionada pelo presidente.

Bolsonaro teve sua carreira política como deputado bastante ligada à área de segurança. Expoente da bancada da bala, o então deputado teve de enfrentar seus aliados para recolocar a segurança pública subordinada à pasta da Justiça na formação de sua equipe. Então líder do partido do presidente, o senador Major Olímpio (PSL-SP) tentou inclusive alterar a Medida Provisória que tratava do tema no Congresso, tendo sido forçado a recuar na hora da votação da proposta.

O tema voltou com força ao radar do presidente em dezembro, como revelou O GLOBO. Além de atender sua base mais fiel, a ideia era achar um cargo para o ex deputado Alberto Fraga, amigo de longa data de Bolsonaro que só não virou ministro até agora porque havia sido condenado duas vezes em primeira instância. Fraga conseguiu reverter uma das decisões e como a outra, que é um desdobramento da primeira, deve ser julgada nas próximas semanas, pode estar livre para ajudar o amigo presidente de forma oficial. Em dezembro, Bolsonaro disse que a história era “fake news” e que já teria desmentido a possibilidade a Moro. Agora, um mês depois, o discurso mudou.

Bolsonaro afirmou ainda que a entrega da área de segurança para o ex-juiz não foi tratada no convite. O anúncio publicado por ele próprio na indicação de Moro, porém, em novembro de 2018, já contemplava essa atribuição para o subordinado.

O presidente retomou o debate público sobre o esvaziamento da pasta de Moro em reunião com secretários de segurança pública do país, que o Planalto decidiu transmitir ao vivo, algo pouco usual. Os secretários fizeram o pedido de um ministério específico para a área, e Bolsonaro respondeu que estudaria o tema. Participaram da reunião os ministros Augusto

Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Luiz Ramos (Secretaria de Governo) e Jorge Oliveira (Secretaria-Geral). Moro estava em seu gabinete, a 600 metros do Planalto. O debate surpreende por ocorrer enquanto o governo comemora com entusiasmo números que indicam a redução de homicídios no país.

Sobre o chefe, Moro tem preferido o silêncio. Em entrevista nesta semana ao Roda Viva, atribuiu essa postura a um respeito à hierarquia. Bolsonaro, porém, procura testar de tempos em tempos até onde vai a resiliência do subordinado, desta vez ameaçando com um esvaziamento efetivo das suas funções.