O Globo, n. 31498, 02/11/2019. Economia, p. 21

Serviço público mais enxuto
Marcello Corrêa
Manoel Ventura


A reestruturação das carreiras do serviço público em elaboração pela equipe econômica prevê uma redução gradativa do número de cargos de nível auxiliar e intermediário, como assistente administrativo. Hoje, existem 223 mil servidores nessas categorias, o equivalente a 42% do total de funcionário sativos do governo federal. São cargos que geralmente exigem apenas ensino médio completo eque englobam inclusive funções consideradas obsoletas, como datilógrafo, operador de telex e até vaqueiro.

A proposta faz parte da reforma administrativa que será apresentada na semana que vem, junto com um conjunto de medidas em estudo pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Técnicos envolvidos na discussão do projeto asseguram que o plano de extinção de cargos não significará a demissão dos servidores que ocupam essas funções atualmente. A estratégia é não preencher essas vagas após os atuais funcionários se aposentarem.

O ritmo dessa transição, no entanto, deve ser acelerado, porque a taxa de aposentadoria está alta: nos próximos dez a 15 anos, cerca de 50% da folha de pagamento deixarão a ativa. Só nos próximos cinco anos, 130 mil servidores vão se aposentar. Desse total, cer cade 85 mil sã ode níveis auxiliar ou intermediário. De acordo com um diagnóstico do Ministério da Economia obtido pelo GLOBO, dos 223 mil servidores de nível auxiliar e intermediário, quase 190 mil (85% do total) ganham mais de R$ 4.500. Além do custo com salários, o governo quer eliminara complexidade do sistema. Uma mesma função tem nomes e salários distintos, dependendo do órgão da administração pública. Há cinco cargos diferentes de datilógrafo, por exemplo. Só para auxiliar administrativo e semelhantes existem 13 denominações, com salários que vão de R$ 5 mil amais de R $15 mil.

A quantidade de cargos também inviabiliza amobilidade de servidores entre órgãos da administração pública, poisas carreiras são muito específicas (mesmo tendo atribuições semelhantes). As transferências também são dificultadas pelo excesso de burocracia. Essaéu ma demanda não só do governo, mas dos próprios servidores, inclusive de entidades sindicais. O governo quer caminhar para uma unificação desses cargos. A folha de pagamento dos funcionários, por exemplo, está passando por um processo para que tenha a sua gestão unificada.

Salários acima do mercado

Os técnicos do governo também comparam a remuneração desses servidores a funcionários com formação equivalente na iniciativa privada. Trabalhadores com ensino médio completo ganham, em média, R$ 1.755 mensais no setor privado, segundo od iag nós tico. É a formação equivalente a cargos que, no setor público, ganham entre R$ 6 mil e R $7.500.

Apesar do plano de reduzir o número de funções de nível auxiliar e intermediário, o governo entende que parte das atividades continuará a ser estratégica para o Estado, como técnicos de enfermagem e cargos militares. A tendência é reduzir o número de concursos públicos. O governo pretende focar na contratação de novos servidores, quando houver necessidade, para cargos com maior especialização e escolaridade. Funções de nível auxiliar e intermediário devem ser reduzidas, com maior terceirização e digitalização dos serviços. O governo tem hoje cerca de dois mil tipos de cargos diferentes. Desse total, só devem restar 1.200. De acordo com os técnicos, independentemente da reforma, a expectativa é que já não haja demanda para os 800 cargos. A reforma administrativa deve ser apresentada na próxima terça-feira. Nesse primeiro momento, informam as fontes, só as diretrizes gerais do plano serão enviadas ao Congresso. Para revisar cada carreira, a equipe econômica terá de rever as respectivas regras, o que envolve editar decretos, portarias e outras normas. Esse trabalho ainda não começou e será feito ao longo da tramitação da reforma, que fornecerá as bases legais para a reestruturação.

Além da revisão de carreiras, já está decidido que a reforma vai mudar regras para novos servidores, que não terão direito a benefícios como progressão automática portem pode serviço e licença especial de três meses. Também está previsto o fim das férias de dois meses a que funcionários do Judiciário, inclusive magistrados, têm direito. Para isso, diz uma fonte, a equipe econômica tem mantido conversas com integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). Para aprovara proposta, o governo terá de negociar comum abancada numerosa na Câmara: afrente do serviço público é formada por 231 deputados, quase metade do total de parlamentares na Casa. Segundo o coordenador da frente, deputado Professor Israel Batista (PV-DF), os parlamentares querem entender melhor como a reforma altera, por exemplo, as regras de estabilidade: — A questão da estabilidade é essencial. A gente acredita que esteja havendo uma distorção sobre o significado da estabilidade. As formas de desligamento podem ser aperfeiçoadas, mas não devemos partir do princípio de que devemos ter o fim da estabilidade, que foi criada para que os novos governos dessem continuidade às políticas de Estado do governo anterior e evitar que houvesse perseguições político-partidárias.