O Globo, n. 31498, 02/11/2019. País, p. 10

Pacote social da Câmara prevê mais R$ 9 bi para Bolsa Família
Bernardo Mello


Lideranças da Câmara dos Deputados debatem o início da tramitação de uma agenda social, a partir da próxima semana, com itens como o aumento em R$ 9 bilhões do investimento no Bolsa Família e a facilitação do acesso a recursos do FGTS e do seguro-desemprego. A agenda foi montada, a pedido do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por um grupo coordenado pela deputada Tabata Amaral (PDT-SP) numa tentativa de balancear a agenda de austeridade fiscal encabeçada pelas reformas da Previdência e a tributária.

Em reuniões periódicas desde o primeiro semestre, Tabata alinhavou com Maia um pacote para cobrir o que avalia como “apagão” na área social do governo Bolsonaro. Ambos se reuniram nesta semana com alguns líderes de partidos no Congresso para acertar o início da tramitação. Uma nova rodada de reuniões com lideranças acontecerá na próxima terça-feira para acertar a formação de comissões especiais para tratar a agenda. A ideia é que diferentes legendas indiquem relatores para os projetos. Além de quase uma dezena de projetos de lei e uma medida provisória, o pacote prevê uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para dar ao Bolsa Família status de direito constitucional. O presidente da Câmara vê a possibilidade de aprovar a agenda social até o primeiro semestre do próximo ano. — Em paralelo às reformas econômicas, precisamos pensar numa agenda que garanta renda mínima às famílias, que crie condições de um ensino profissionalizante mais efetivo e que promova a proteção do emprego. E os recursos para essa agenda vêm justamente das reformas. Só na reforma administrativa, por exemplo, contamos com uma economia de R$ 400 bilhões — disse Maia. A agenda social prevê o aumento dos valores de benefícios do Bolsa Família, com um enfoque em crianças até 6 anos e gestantes, que passariam a ter direito a R$ 100 mensais. A proposta também eleva o benefício de superação da extrema pobreza para o mesmo valor, permite o regresso automático ao programa para aqueles que voltarem a ter direito ao benefício — disponível, atualmente, a famílias com renda per capita mensal inferior a R$ 89 — e proíbe o contingenciamento de recursos. — Impedir o contingenciamento é entender que esta é uma política basilar, para quem está passando fome. Outro ponto bastante debatido foi acabar com o limite de filhos. Houve certa resistência. Mas apresentamos estudos para mostrar que ninguém tem mais filhos por causa do Bolsa Família. É um percentual muito pequeno com mais de cinco filhos, e geralmente são as pessoas em situação mais vulnerável — afirmou Tabata.

Impacto neutro no FGTS    

A estimativa é que as medidas tenham impacto de R$ 9,8 bilhões, o equivalente a um terço do orçamento do Bolsa Família neste ano. Os parlamentares argumentam, por outro lado, que o programa passará a incluir mais 3,2 milhões de crianças em situação de extrema pobreza.

Outra medida com reflexo no orçamento federal é a reconfiguração do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e do seguro-desemprego. Segundo a proposta do grupo de parlamentares, os benefícios seriam integrados no formato de uma poupança individual, formada a partir do recolhimento mensal de percentuais do salário, e com rendimentos atrelados a um parâmetro de mercado.

O valor poderia ser retirado a qualquer momento pelo trabalhador após atingir um “colchão financeiro” equivalente a 12 salários mínimos. Pela proposta, o governo complementaria o “colchão” de trabalhadores que recebessem até 1,5 salário mínimo ou que fossem demitidos antes de atingir o valor da retirada. Tabata defende que, no caso do FGTS, o impacto orçamentário seria “neutro”, já que os recursos antecipados pela União seriam repostos pelo trabalhador quando retornasse ao mercado formal: —A proposta também tenta melhorar a distribuição do abono salarial. Hoje, 39% dos recursos vão para o terço mais rico da população.

Jovens no mercado

O deputado João Campos (PSB-PE), integrante do grupo, defendeu a integração do ensino médio com a Lei do Jovem Aprendiz, outro ponto da agenda social. O contrato de jovem aprendiz deixaria de ter o limite de dois anos e passaria a contar como crédito escolar. Segundo Campos, o incentivo ao ensino técnico pode reduzir a evasão escolar e preencher vagas de trabalho ociosas.

A agenda social também estipula canais de transferência de renda para financiar pequenos negócios de jovens que frequentem o ensino técnico e de beneficiários de programas sociais, como o Bolsa Família. A deputada Tabata Amaral argumenta que a medida traria um impacto “muito pequeno” no orçamento público, e defende que os incentivos funcionam melhor do que o microcrédito nesses casos. Caberá ao Executivo definir os valores e os critérios para escolher os projetos contemplados.