O Globo, n. 31490, 25/10/2019. País, p. 8

Prisão em 2ª instância perde força no Supremo

Carolina Brígido


O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou ontem o julgamento sobre a possibilidade de prender condenados em segunda instância, mas adiou a conclusão do caso para a primeira semana de novembro. Até agora, quatro ministros votaram pela tese da prisão antecipada e três defenderam as punições só depois do trânsito em julgado — ou seja, quando forem analisados todos os recursos disponíveis à defesa. Outros quatro ministros ainda vão votar. A tendência é que a regra atual, que permite as prisões após sentença da segunda instância, seja derrubada.

Nos bastidores, costura-se uma alternativa intermediária, em que as prisões seriam feitas depois que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisar o recurso do réu e confirmar a condenação. A expectativa é que o presidente, Dias Toffoli, desempate o julgamento com essa tese. No entanto, alguns ministros apostam que Toffoli vote pelo trânsito em julgado. Ontem, ao fim do julgamento, o presidente disse que ainda está pensando no voto que dará (leia na reportagem da página 9).

“Intérprete da lei”

A primeira a votar na sessão de ontem foi a ministra Rosa Weber, contra a prisão de condenados em segunda instância. Para ela, os réus têm o direito de aguardar em liberdade até o trânsito em julgado — ou seja, até a análise de todos os recursos judiciais. Em 2016, última vez que a Corte discutiu o assunto, ela tinha defendido a mesma posição, ficando no grupo dos que foram voto vencido.

Rosa argumentou que a Constituição é clara em definir a necessidade de se esgotarem todos os recursos:

— Goste eu pessoalmente ou não, esta é a escolha político-civilizatória manifestada pelo poder constituinte. Não reconhecê-la importa reescrever a Constituição para que ela espelhe o que gostaríamos que ela dissesse, em vez de observarmos —disse a ministra.

— O STF é o guardião do texto constitucional, não o seu autor.

O voto dado pela ministra no ano passado, no julgamento de um recurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, gerou a falsa expectativa até mesmo entre alguns de seus colegas de que

Rosa mudaria de ideia. Na ocasião, ela votou pela prisão do réu depois da condenação em segunda instância. Mas explicou que fazia isso em respeito à decisão tomada pelo plenário em 2016, embora sua opinião pessoal sobre o tema fosse diferente. Ela seguiu o precedente do plenário em outras 66 decisões individuais.

Agora, como o plenário está definindo novamente a regra geral, e não o recurso de um réu específico, a ministra voltou a defender sua convicção. Ela ressaltou que a Constituição Federal e o Código de Processo Penal fixam literalmente a necessidade do trânsito em julgado como condição para o início do cumprimento da pena. Na quarta-feira, Marco Aurélio Mello já havia defendido essa posição. Ontem, Ricardo Lewandowski somou-se ao time.

— Seja qual for a maneira como se dá a mutação do texto constitucional, ela jamais poderá vulnerar os valores fundamentais sobre as quais se sustenta — afirmou Lewandowski, referindo-se à “presunção de inocência” como cláusula pétrea da Constituição.

Luiz Fux defendeu a tese da segunda instância, citando crimes violentos ou de corrupção que tiveram repercussão nacional.

— O que a Constituição quer dizer é: até o trânsito em julgado, o réu tem condições de provar sua inocência. À medida que o processo vai tramitando, essa presunção de inocência vai sendo mitigada. Há uma gradação —questionou Fux.

O ministro também criticou a possibilidade de mudar a orientação vigente desde 2016, segundo a qual é possível prender condenados em segunda instância.

— Por que vamos mudar agora a jurisprudência? Qual vai ser o benefício? — questionou Fux, completando:

— O Judiciário deve contas à sociedade. Ele não está abdicando da sua independência para ajudar A ou B. Ele está aferindo como a Constituição é perceptível pelo povo.