O Globo, n. 31490, 25/10/2019. País, p. 6

Decisões ‘pró-Lula’ antecipam possíveis derrotas

Sérgio Roxo


As duas recentes manifestações do Ministério Público Federal (MPF) em favor do ex-presidente Lula estão longe de significar uma mudança no rumo da atuação dos procuradores em relação ao líder petista. Os pedidos de progressão para o regime semiaberto de prisão e de anulação da condenação no processo do sítio de Atibaia devem ser lidos apenas como uma estratégia jurídica dos procuradores de se antecipar a possíveis derrotas.

Desde março de 2016, o MPF detém o protagonismo nas investigações contra o ex-presidente. Em setembro do mesmo ano, o Ministério Público apresentou, em coletiva de imprensa, a primeira denúncia criminal contra o petista, por causa do tríplex do Guarujá.

Foi atendendo a um pedido dos procuradores que o então juiz Sergio Moro determinou buscas no apartamento de Lula em São Bernardo do Campo e a sua condução coercitiva para prestar depoimento. Em setembro do mesmo ano, o Ministério Público apresentou, em coletiva de imprensa, a primeira denúncia criminal contra o petista, por causa do tríplex do Guarujá. Os procuradores não emitiram nenhum sinal de que alteraram as antigas convicções sobre o líder petista.

Os advogados de Lula enxergaram a estratégia da força-tarefa ao se manifestarem contra os dois pedidos que, em tese, beneficiavam o seu cliente. No entendimento da defesa, o que os procuradores querem é justamente continuar dando as cartas sobre o futuro do ex-presidente.

Por iniciativa da lava-jato

Os aliados do petista avaliam que a força-tarefa, diante de uma iminente liberdade de Lula, atua para que ele deixe a prisão por uma iniciativa da Lava-Jato, e não do Supremo Tribunal Federal (STF). Essa motivação teria feito com que o MPF alertasse a Justiça que o petista poderia trocar a cela pelo semiaberto.

Como parte da estratégia de embate com os procuradores, Lula disse, por meio de uma carta, que não aceitaria “barganha” para obter a liberdade. Seus aliados entendem que uma eventual saída da cadeia poderia fazer com que o STF adiasse os julgamentos que podem beneficiá-lo.

O STF está julgando a legalidade do início do cumprimento da pena após condenação em segunda instância. Além disso, também deve decidir, em breve, sobre recurso em que os advogados de Lula alegam que Moro não atuou com imparcialidade no processo do tríplex. Depois das revelações de conversas de integrantes da Lava-Jato pelo site The Intercept, o sentimento de parte da Corte contra a Lava-Jato ganhou corpo.

Foi atribuído a esse sentimento o julgamento no fim do mês passado no qual o Supremo considerou que os réus devem apresentar suas alegações finais no processo depois dos delatores. A discussão ainda não foi concluída, mas já é certo que Lula será beneficiado no caso do sítio de Atibaia, em que foi condenado a 12 anos e um mês de prisão.

Como não há como escapar de uma decisão nesse sentido em favor do petista nos próximos meses, o procurador da República Maurício Gerum, que atua na segunda instância, pediu anteontem ao TRF-4 que anulasse a condenação. Com seu gesto, o procurador reduziu o tamanho da derrota do MPF e também deve ganhar tempo. A expectativa é que o processo atrase entre nove meses e um ano. Quantos antes o caso voltar a essa fase, mais rápido será julgado novamente.