O Globo, n. 31499, 03/11/2019. País, p. 15

Brasil teria um Egito a mais pelo Cadastro Rural
Cássia Almeida


No momento em que o governo anuncia a intenção de adotara auto declaração par afazer a regularização fundiária no Brasil, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), no qual os proprietários de áreas rurais informam diretamente as dimensões das suas terras, mostra que há uma área equivalente à do Egito registrada amais no banco de dados do Serviço Florestal Brasileiro. São mais de um milhão de quilômetros quadrados registrados acima da área passível de cadastramento. Pelos dados do CAR de agosto deste ano, 3,9 milhões de quilômetros quadrados eram passíveis de cadastro, masa área informada era de 4,9 milhões de quilômetros:

— Essa área adicional seria o 29º maior país do mundo, entre o Egito e a Colômbia. Há um completo descompasso entre os instrumentos para regulação fundiária e uma efetiva regularização fundiária. A imprecisão territorial tem aumentado. Em2013, nos cartórios, havia dois estados de São Paulo amais. Agora o cadastro mostra sobreposição maior — afirma Luiz Uge da, presidente da Comissão de Geodireito da OAB-SP.

Segundo o especialista, há várias bases de dados — a do Serviço Florestal Brasileiro, a da Embrapa Territorial, a do IBGE — sem unidade para servir de parâmetro:

— O ideal é ter uma agência para cuidar da questão, conforme prevê a Constituição.

Segundo Gerd Sparovek, do Laboratório de Planejamento de Uso do Solo e Conservação (Geolab), da Escola Superior de Agricultura, da USP, a área possível de cadastramento tomou por base o Censo Agropecuário Brasileiro de 2006, do IBGE, que já divulgou novo censo no mês passado, com dados de 2017.

— Os levantamentos censitários do IBGE não cobrem todas as áreas em que há imóveis ou posses rurais. Assim, a área cadastrável ficou subestimada. Há os registros sobrepostos que levam à dupla contagem, além da grande quantidade de registros em unidades de conservação, terras indígenas em que a presença de imóveis rurais privados deveria ser exceção. Além disso, temos no Brasil em torno de 17% do território sem registro fundiário algum.

O Cadastro Ambiental Rural foi criado por lei em 2012 e regulamentado em 2014 para integrar informações ambientais, em relação às áreas de preservação e reserva legal, para o planejamento ambiental e o combate ao desmatamento. Segundo Jaíne Cubas, diretora de Cadastro e Fomento Florestal do Serviço Florestal Brasileiro, o cadastro vem sendo aperfeiçoado para diminuir a sobreposição, mas não foi feito para regularização fundiária:

— Como o cadastro é auto declaratório, vai ter sobreposição. Estamos trabalhando para qualificá-lo e diminuir o erro.

Está em desenvolvimento no Serviço Florestal, segundo Jaíne, uma forma delimitara sobreposição em 10% para pequenos proprietários, 5% para os médios e 3% para os grandes.

— O benefício do cadastro é conhecera propriedade rural para saber quais áreas podem ser usadas para agricultura, além de ele ser obrigatório para acesso a crédito rural (subsidiado) e servir de ferramenta para políticas ambientais.

Sparovek diz que esse excesso de terras cadastradas diminui a eficácia do CAR para o Código Florestal.

—A sobreposição no cadastro indica incerteza sobre a questão fundiária, sobre quem é o legítimo detentor da propriedade. Não é possível saber a quem cabe a responsabilidade de regularização ambiental. O CAR trouxe à tona o tamanho do problema. A solução pode não ser simples e muito menos pacífica; pode envolver equacionar conflitos fundiários e grilagem de terras. Isto certamente vai atrasara implementação do C AR e seus benefícios.

Segundo Bastiaan Reydon, do Grupo de Governança de Terras da Unicamp, a ideia do governo de usar autodeclaração para assentamentos rurais não é ruim:

— O problema é que abre uma brecha para todo mundo entrar nela. Já tinham acabado coma obrigatoriedade de comprovara anuência de seus vizinhos. É perigoso, pode potencializara grilagem.