O Globo, n. 31499, 03/11/2019. País, p. 10

Witzel tenta evitar retaliação após racha com Bolsonaro
Bernardo Mello


Aliados do governador Wilson Witzel (PSC) tentam evitar que o racha coma família Bolsonaro dê início a retaliações políticas e econômicas à sua gestão no Rio. Após o presidente Jair Bolsonaro acusar Witzel de vazar informações sigilosas para envolvê-lo nas investigações da morte da vereadora Marielle Franco, a relação entre os dois se deteriorou de vez, e o troco é esperado no Palácio Guanabara. Interlocutores medem a temperatura da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj ), onde a fragilização da base do governador, que conta com deputados do PSL, partido de Bolsonaro, pode abrir caminho até para uma Comissão Parlamentar de Inquérito( CPI) para apurar o suposto vazamento.

Na terça, Bolsonaro subiu o tom dos ataques a Witzel e disse que tinha ouvido do governador, no início do mês, ques eu nome seria implicado no caso Marielle. Bolsonaro já havia alfinetado o governador em um discurso no último dia 11, em Itaguaí, quando pediu uma conduta “ética, moral e sem covardia” enquanto olhava para o ex-aliado.

Um deputado estadual da base bolsonarista disse ao GLOBO que uma CPI contra o governador começa a ser discutida, embora ainda sem recolhimento de assinaturas. Parlamentares do PS L acreditam que a medida teria adesão entre deputados de outras legendas de oposição. Na quinta, em discurso no plenário da Alerj, o deputado Luiz Paulo (PSDB) defendeu uma “investigação profunda” sobre a conduta de Witzel e afirmou que um ato de improbidade “leva ao impeachment, se provado e demonstrado”.

Em meio à divisão que vive o PSL nacionalmente, não há determinação formal para que abancada na Alerj, formada por 12 deputados, se volte contra Witzel. Mas tanto membros do PSL quanto da oposição admitem um clima pouco amistoso para o governador.

— O problema do Witzel é trabalhar coma Presidência na cabeça desde que assumiu o estado —diz um deputado.

Witzel negou ter acesso a informações da investigação e também elevou o tom na sexta, quando declarou que a recusa em estender o acordo de recuperação fiscal por“interferência” de Bolsonaro representaria“cri mede responsabilidade ”. Já o pastor Everaldo Pereira, presidente do P SC e articulador da campanha de Witzel à presidência, apelou à “sensatez ”.

— O presidente Bolsonaro naturalmente está interessado no bem do Rio. Quando baixara poeira, não vejo problema para a relação voltara o normal — disse Everaldo.

A possibilidade de o Rio não conseguir se manter no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), negociado coma União, também cresceu na última sexta-feira depois de o Conselho de Supervisão Fiscal recusara proposta de adequação do estado. As conversas passam pelo Ministério da Economia, mas apalavra fina lé da Presidência.

O acordo, assinado em 2017, prevê contrapartidas do estado comum efeito fiscal de R$ 85 bilhões. Witzel tentou negociar uma adequação para R$ 72 bilhões, em proposta rejeitada pelo Conselho de Supervisão Fiscal. Procurado pelo GLOBO, o conselho informou que o estado “deverá demonstrar medidas de ajuste suficiente para garantir o equilíbrio fiscal”.

— O ideal seria repactuar o acordo; as condições são severas. Ma soque vejo é Witzel ensaiar uma acusação política por antever que não conseguirá cumprir exigências técnicas — disse o deputado federal Otoni de Paula (PSCRJ), que perdeu o cargo de vice-líder do PSC em Brasília após dizer que Witzel tratava Bolsonaro com “ingratidão”.

Década de ‘parcerias’

Desde a eleição de Sérgio Cabral e a reeleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, o alinhamento entre os governo estadual e federal se sustentou por mais de uma década no Rio, alcançando as gestões de Dilma Rousseff e Luiz Fernando Pezão — este último se relacionou também com Michel Temer.

Eleito com forte apelo ao bolsonarismo, Witzel procurou reforçara harmonia no início do mandato. A crise com Bolsonaro, no entanto, pode reabrir uma nova era de governadores e presidentes que não falam a mesma língua.

— A situação atual, guardadas as proporções, lembra o que vimos com Garotinho e o presidente Fernando Henrique Cardoso — comparou o deputado Otoni de Paula. — Não é que Bolsonaro vá prejudicar o Rio. Mas é natural dar menos atenção para um governador em quem você não confia.

Em 2002, o então governador Anthony Garotinho, que se lançaria candidato à Presidência, passou a atacar publicamente o presidente Fernando Henrique Cardoso. Apesar do racha, o tucano firmou um acordo com governadores, incluindo o do Rio, de renegociação de dívidas com a União.