O Globo, n.31.629, 12/03/2020. Colunas. p.26

O dia da queda de todas as fichas
Leitão, Míriam, 1953- 

 

A Ásia terá vários países em recessão, na Europa, a Itália certamente afundará e talvez a Alemanha. Nos Estados Unidos, o cenário mais suave é de desaceleração forte, o pior cenário inclui uma crise de crédito porque as empresas americanas estão muito endividadas. Esse é o quadro econômico que está se formando com a dispersão do covid-19, segundo a visão do economista José Roberto Mendonça de Barros. No Brasil, o Congresso criou uma despesa obrigatória de R$ 20 bilhões por ano. O dinheiro é destinado aos mais pobres, mas na visão da equipe econômica isso derruba na prática o teto de gastos.

Tudo está acontecendo ao mesmo tempo no mundo. O vírus se espalhando, as bolsas despencando, as economias reduzindo o ritmo de crescimento. Sobre a China, Mendonça de Barros usa o dado do BNP Paribas, de queda do ritmo do PIB para 4,5%. O primeiro banco a rever fortemente o crescimento da China foi o BNP Paribas. O economista-chefe do banco no Brasil, Gustavo Arruda, disse que quando sua equipe conversou com o time da Ásia e viu a gravidade da situação, em 18 de fevereiro, ele reduziu a previsão de crescimento do Brasil para 1,5%.

— Dada a gravidade da situação era impossível que ficasse localizado na China. O Brasil é afetado de diversas formas. Pelo canal externo, pelos preços das commodities, mas também pelas importações de vários setores, como eletrônicos —disse Gustavo.

O Brasil seria afetado economicamente, mesmo que não houvesse complicações locais. E há. Na opinião de José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, a economia que poderia segurar o mundo seria a americana. Mas ela também tem problemas.

— As empresas americanas estão muito alavancadas. A dívida corporativa está em 47% do PIB. Nesse quadro o risco de haver um problema de crédito é muito grande. Com a guerra de preços de petróleo, entre Arábia Saudita e Rússia, as empresas mais vulneráveis são as da indústria do

Essas estão correndo risco de vida. Os bancos regionais do Texas, por exemplo, podem ter problemas. É por isso que o Fed elevou a oferta de assistência de liquidez — disse Mendonça de Barros.

Os cancelamentos de eventos públicos já estavam afetando em cadeia as empresas aéreas, os hotéis, o setor de serviços, e agora serão mais frequentes depois que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou que o Covid-19 é uma pandemia global. E isso é parte da desaceleração do PIB mundial que está em curso. A economista Silva Matos, do Ibre/FGV, alerta que o setor de serviços é o que tem o maior peso no PIB. Por isso, essa crise deve levar a novas revisões do crescimento brasileiro. Ontem o governo recalculou para 2,1%. Ninguém acredita no mercado que fique nesse patamar.

Além de tudo isso, a conta das trapalhadas políticas de Bolsonaro chegou ontem. Um governo sem base parlamentar, de um presidente sem partido, que hostiliza e ameaça o Congresso, o que pode receber de volta? O Congresso derrubou ontem o veto do presidente a um projeto que quadruplica o valor da renda de quem pode receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Pelas contas da equipe econômica, o gasto será de R$ 20 bilhões por ano. Hoje, só quem tem um quarto de salário mínimo de renda familiar é que pode requerer BPC. O projeto eleva para um salário mínimo.

— Isso representa um tiro de canhão no teto de gastos, porque é despesa obrigatória que nem pode ser contingenciada. É uma encrenca das grandes. Porque não sabemos de onde pode ser tirado um valor deste tamanho —comentou um integrante da equipe econômica.

Aliás, ontem, no Ministério da Economia, eles estavam trabalhando exatamente no cálculo do valor a ser contingenciado. É obrigatório congelar despesas quando se faz uma revisão para baixo do crescimento do PIB.

Do ponto de vista da saúde pública no mundo, a situação é de incerteza. Mendonça de Barros lembra que nos Estados Unidos não há uma rede pública de saúde e 30 milhões não têm plano. A economista Monica de Bolle, que mora lá, conta que a atitude do presidente Trump de negar a dimensão da crise e não aceitar o teste desenvolvido pela OMS com outros países atrasou a resposta do país em seis semanas. Aqui também o presidente Bolsonaro voltou a subestimar o risco do coronavírus. Contudo, a crise global, na economia e na saúde, continua se agravando.