O Globo, n. 31613, 25/02/2020. Economia, p. 21

Risco de pandemia: temor renovado

Gabriel Martins
Glauce Cavalcanti
Letycia Cardoso


O avanço da epidemia do novo coronavírus fora da China derrubou os principais mercados financeiros no mundo ontem. Na Europa, as ações encerraram o dia ontem coma maior queda em quase quatro anos após a Itália confirmar 229 casos e a sétima morte. O isolamento de áreas no coração da Europa, caracterizada pela ausência de fronteiras formais, aumentou o te morde que uma pandemia atinja a saúde e a economia de outras nações. Coreia do Sul, Irã e outros países do Oriente Médio também reportaram alta nos casos nos últimos dias. São 79 mil infectados no mundo, sendo 77 mil na China.

Efeito nas brasileiras

O FTSE MIB, índice de referência da Bolsa de Milão, fechou ontem com queda de 5,43%. Em Londres, o FTSE 100 caiu 3,34%. Nas Bolsas de Paris e de Frankfurt, os índices CAC e DAX perderam, respectivamente, 3,94% e 4,01%. Nos Estados Unidos, o cenário se repetiu com os principais índices fechando com fortes quedas, acima de 3%. Tanto o Dow Jones quanto o S&P bateram a maior queda percentual em um só dia desde fevereiro de 2018, anulando os ganhos acumulados neste ano. O Dow Jones recuou 3,56%, enquanto o S&P 500 (mais amplo) e a Nasdaq (tecnologia) tiveram desvalorização de, respectivamente, 3,35% e 3,71%.

As ações mais penalizadas foram as das empresas de tecnologia, aéreas e de exportadoras de commodities. A Bolsa de São Paulo não funcionou por causado feriado de carnaval, mas os papéis de empresas brasileiras negociadas no exterior também sofreram. O Índice Brazil Titans, que reúne as 20 principais ADRs de companhias brasileiras no Dow Nova York, encerrou o dia com queda de 4,81%. Os ativos lastreados em ações preferenciais (PN) da Petrobras fecharam com queda de 7,64% enquanto os de ordinárias (ON) perderam 6,77%. O recuo dos papeis da mineradora Vale foi de 7,53%. Houve ainda queda em ADRs da Gol (-8,05%), da Azul (-4,65%) e da Latam (-6,64%). No Brasil, a Bolsa só volta a operar amanhã, a partir das 13h.

— Os mercados entraram em “modo de risco”, em meio aos temores de que a doença se espalhe pelo mundo, diante do crescente número de infecções fora da China — afirmou Ulrich Urbahn, estrategista da firma Joh Berenberg Gossler & Co.

Também perderam valor ações de empresas relacionadas a artigos de luxo. Os papéis da LVMH, dona demarcas como afrancesa Lo uisVuitton, caíram 4,66%. O varejo de luxo sente o freio em vendas devido à retração no consumo dos chineses. A italiana SalvattoreF erra gamo também perdeu valor. Agrife inglesa Burberry, por exemplo, divulgou um tombo de três quartos de suas vendas no país.

Abusca por ativos considerados mais seguros fez aumentara procura por títulos do Tesouro americano. A cotação do ouro chegou a subir mais de 2%, para o maior patamar em sete anos, e encerrou com valorização de 1,69%, a US $1.676,60 a onça (28,34 gramas). Já os preços do barril de petróleo chegaram a recuar mais de 4%. O Brent fechou com queda de 3,85%, a US $56,30, como maior risco de impacto na demanda global.

Impacto nos EUA

O banco Goldman Sachs reduziu ontem a previsão de crescimento da economia americana no primeiro trimestre deste ano de 2,1% para 1,2% devido ao impacto do coronavírus sobre a produção de várias empresas e sobre diferentes cadeias globais de suprimento.

— O problema é que as empresas acabam sendo expostas a choques na produção, por exemplo. No curto prazo, avaliamos que o mercado terá bastante volatilidade. Por ora, não há nada completamente seguro — disse Christian Mueller-Glissman, diretorgerente de Alocação de Ativos do Goldman Sachs.

Vishnu Varathan, chefe de economia e estratégia do japonês Mizuho, avalia que haverá busca cada vez mais intensa por investimentos vistos como seguros:

— Com os casos de Covid-19 (nome do novo coronavírus) ainda em ascensão, é difícil dizer quando e se a atividade manufatureira vai parar, potencialmente preparando o cenário para uma fraqueza prolongada — disse Varathan.

— Isso significa que veremos a justaposição de mais demanda por investimentos de porto seguro.

Na visão de analistas é ainda mais preocupante o fato de a Itália ainda não ter identificado a origem do contágio no norte do país. Houve interrupção de atividades em cidades como Milão e Veneza, atrapalhando a indústria do turismo, entre outros setores.

Na Ásia, outra economia importante preocupa. Em meio a sete mortes e mais de 700 casos de infecção pelo novo coronavírus na Coreia do Sul, as Bolsas do continente fecharam com perdas. Em Seul (capital sul-coreana), o índice Kospi teve desvalorização de 3,87%. Na China, O CSI300, que reúne as maiores companhias listadas em Xangaie Shenzhen, caiu 0,40%. A Bolsa de Hong Kong fechou com perdas de 1,79%.

— A aversão ao risco provavelmente se intensificará no curto prazo, devido ao forte aumento de casos na Coreia do Sul e na Itália — prevê Mitul Kotecha, estrategista sênior de mercados emergentes da TD Securities, em Cingapura.

— Os mercados estão se concentrando cada vez mais no risco de danos econômicos mais prolongados do que se esperava anteriormente. As cadeias de suprimentos estão se tornando mais expostas, enquanto os serviços e o turismo estão sofrendo em muitos países.

Taxa de juros reduzida

O secretário do Tesouro americano, Steven Mnuchin, disse não esperar que o coronavírus tenha impacto na primeira fase do acordo comercial entre EUA e China. Ele alertou que é preciso evitar conclusões precipitadas sobre o impacto do que chamou de “tragédia humana” na economia global ou nas decisões sobre as cadeias de suprimentos das empresas.

O Banco Popular da China (BPC) reiterou que lançará novas medidas para conter o impacto do surto de coronavírus no país e implementar sua política monetária “prudente de maneira flexível ”. E que reduzirá a taxa de juros no crédito a micro e pequenas empresas para barrar o colapso do fluxo de dinheiro no mercado.

A principal entidade legislativa da China decidiu adiar a reunião anual do Parlamento marcada originalmente para começar em 5 de março, informou a TV estatal do país.