O Globo, n. 31614, 26/02/2020. Sociedade, p. 27

Avanço da epidemia: coronavírus no Brasil

Carolina Brígido
Silvia Amorim


Um homem vindo da Itália chegou a São Paulo e teve um primeiro teste positivo para o coronavírus, informou ontem o Ministério da Saúde. Um segundo exame ainda será realizado para confirmar ou descartar o diagnóstico. Se o resultado for positivo, será o primeiro caso da doença confirmado no Brasil.

Trata-se de um paciente de 61 anos, residente da capital paulista, que foi atendido ontem no Hospital Albert Einstein, na Zona Sul de São Paulo, com sintomas brandos da doença, como tosse seca, dor de garganta e coriza, informou a pasta. O paciente, que passa bem, viajou sozinho e a trabalho para o norte da Itália, na região da Lombardia, entre 9 e 21 de fevereiro. A região italiana é uma das mais afetadas na Europa: até ontem, contabilizava mais de 320 casos e 11 mortes.

O Albert Einstein já enviou a amostra para o laboratório do Instituto Adolfo Lutz, também em São Paulo, que é referência nacional para testes do Covid-2019. Lá, será realizada uma contraprova, cujo resultado será divulgado pelo Ministério da Saúde oportunamente.

A investigação está sendo conduzida em conjunto com as secretarias estadual e municipal de Saúde de São Paulo, que realizam a identificação dos contatos que o paciente teve com outras pessoas em casa, no hospital e no voo. O rastreio tem apoio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da companhia aérea.

Europa e Oriente Médio

Nos últimos dois dias, pelo menos seis países registraram seus primeiros casos de infecção pelo novo coronavírus: Áustria, Croácia, Suíça, Omã, Iraque e Afeganistão.

Nas Ilhas Canárias, arquipélago espanhol perto da costa da África, um hotel com mil turistas na ilha de Tenerife foi colocado em quarentena ontem depois que dois hóspedes, um médico italiano e sua mulher, foram diagnosticados com o novo vírus. A Espanha tem mais três casos: um turista alemão em La Gomera, outra ilha das Canárias, um britânico em Mallorca e uma italiana na Catalunha.

Na Áustria, um hotel na cidade turística de Innsbruck, capital da região alpina do Tirol, também foi isolado. Uma recepcionista italiana estava contaminada pelo coronavírus, informou a imprensa local. A mulher e seu companheiro, também italiano, viajaram na sextafeira de carro da Lombardia, de onde são, para a Áustria.

Na Europa, a epidemia está concentrada na Itália, que ontem registrou o primeiro caso de contaminação na região sul, em Palermo, na Sicília, o que elevou para oito o número de regiões afetadas.

No Oriente Médio, a maior parte dos casos registrados se encontra no Irã, que tem 16 mortos e quase 100 infectados. Os iranianos foram os que registraram mais mortes fora da China. O vice-ministro da Saúde, Iraj Harirshi, foi um dos diagnosticados.

O presidente do país, Hassan Rouhani, pediu calma, afirmando que esta epidemia não é pior do que outras que o país sofreu: “Uma ameaça inesperada, mas devemos continuar avançando”.

O alto número de mortes no Irã, apesar da taxa relativamente baixa de casos, atraiu a desconfiança de alguns países. O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, manifestou preocupação coma falta de transparência sobre a situação do coronavírus no país.

— Os EUA estão muito preocupados comas informações que indicam que o regime iraniano possa estar escondendo detalhes importantes sobre o surto no país — afirmou a jornalistas, em Washington.

Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA informaram que o país tem 57 casos confirmados, 36 deles em passageiros que estavam abordo do cruzeiro Diamond Princess, que ficou em quarentena no Japão. Outros três casos foram importados, em pessoas repatriadas de Wuhan, na China, epicentro da epidemia.

As autoridades de saúde pública dos EUA também alertaram os cidadãos americanos para se prepararem para uma possível epidemia no país, embora o conselheiro econômico da Casa Branca, Larry Kudlow, tenha garantido que o vírus esteja sob controle.

Mundo está despreparado

Ontem, o epidemiologista Bruce Aylward, chefe da missão internacional que a Organização Mundial da Saúde (OMS) enviou à China, afirmou em entrevista coletiva que o mundo não está preparado para lidar com a epidemia da doença, tanto do ponto de vista psicológico quanto material.

— Você precisa estar preparado para administrar isso em larga escala, e isso tem que ser feito rapidamente — declarou o veterano na luta contra o ebola antes de insistir que os países devem “estar prontos como se fosse nos afetar amanhã”.

Na véspera, porém, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, informou que, apesar da aceleração da taxa de transmissão do vírus, a crise ainda não é considerada pela organização uma pandemia.

Desde o fim de dezembro, o número total de casos notificados no planeta passou de 80 mil, 2.400 dos quais fora da China continental.

O que já se sabe sobre o Covid-19:

O que é coronavírus?

Nomeado a partir de sua forma circular, o coronavírus (CoV) denomina uma ampla família de vírus à qual pertencem as cepas que causaram, por exemplo, a Sars e a Mers, doenças que também vieram da China. Já se sabe que a atual pneumonia é causada por uma cepa que os cientistas ainda não conheciam, identificada como 2019-nCoV. A Organização Mundial da Saúde denominou a nova doença causada como Covid-19.

Quais são os sintomas?

Os sintomas mais comuns são febre (90% dos contaminados), tosse (70%) e fadiga muscular (41%). Já a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), um tipo de insuficiência respiratória que causa acúmulo de líquidos nos pulmões e redução dos níveis de oxigênio no sangue, acomete 14% dos pacientes. Os dados são de um estudo chinês do Capital Medical University com a Qingdao University, reunindo informações de mais de 50 mil casos confirmados — cerca de 60% do total de contaminações no mundo. Diarreia, tosse com sangue, dor de cabeça, dor de garganta e outros sintomas ocorrem apenas em um pequeno número de pacientes.

Como é o contágio?

O coronavírus, em geral, é transmitido pelo ar, por meio de grandes gotículas expelidas na respiração, ou por contato direto ou indireto com secreções, mas ainda não há detalhes sobre a rota de transmissão deste novo coronavírus.

Como se prevenir?

O Ministério da Saúde recomenda evitar contato com pessoas que tenham sintomas suspeitos . É preciso redobrar cuidados com higiene, como a lavagem frequente das mãos. Também são recomendados: o uso de lenço descartável; cobrir nariz e boca quando espirrar ou tossir; evitar tocar mucosas de olhos, nariz e boca; não compartilhar talheres, pratos e copos; e manter ambientes ventilados.

Quão letal é este coronavírus?

Ainda segundo a pesquisa da Capital Medical University com a Qingdao University, um (21%) a cada cinco pacientes do novo coronavírus tem complicações mais graves. No entanto, a mortalidade não passa de 5% — em geral, as vítimas são idosos ou pessoas com alguma debilidade de saúde.

Quão contagioso é o vírus?

Especialistas em epidemiologia estimam que uma pessoa infectada possa transmitir o vírus, em média, para dois ou três outros indivíduos. Como o 2019-nCoV foi descoberto recentemente, é impossível detalhar sua rota de transmissão.

Há chances de pessoas sem sintomas espalharem o vírus?

Sim, mas ainda não se sabe exatamente qual o período de incubação. No último sábado, o governo de Hubei, na China, anunciou que um homem de 70 anos foi infectado com coronavírus, mas não apresentou sintomas até 27 dias depois. Isso significa que o período de incubação do vírus pode ser bem maior do que 14 dias, como havia sido calculado inicialmente.

Qual a origem do vírus?

Todo tipo de coronavírus costuma ser contraído por seres humanos a partir do contato com outras espécies. A Sars, por exemplo, veio da civeta (espécie aparentada do guaxinim), animal então consumido na China como iguaria. A Mers, que dizimou 858 dos 2.494 pacientes diagnosticados desde 2012, veio dos dromedários. A suspeita do novo coronavírus se originou num animal, que ainda não foi descoberto, e passou para o ser humano em um mercado de Wuhan,na província de Hubei, epicentro da doença.

O que o Ministério da Saúde considera caso suspeito?

Pessoas que apresentem pelo menos dois sintomas da doença e que, nos últimos 14 dias, tenham estado em um dos 16 países: China, Coreia do Sul, Coreia do Norte, Camboja, Japão, Vietnã, Cingapura, Tailândia, Austrália, Filipinas, Malásia, Itália, Alemanha, França, Irã e Emirados Árabes.