O Globo, n. 31489, 24/10/2019. Economia, p. 15

Para atrair Estados

Geralda Doca
Marcelo Corrêa
Renata Vieira


Concluída a votação da reforma da Previdência no Senado, o Congresso começa a avaliar outras frentes de mudanças do sistema de aposentadorias no país. O próximo passo é a tentativa de incluir estados e municípios na reforma, como previsto na chamada proposta de emenda constitucional (PEC) paralela. O relator do texto, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), apresentou mudanças de regras no texto que buscam atrair governadores para o projeto e preparam o caminho para sua aprovação na Câmara, que sempre se mostrou mais resistente.

O parecer apresentado ontem na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) permite que governadores e prefeitos possam desistir da adesão às regras previdenciárias da União, desde que isso não seja feito no período de seis meses antes de eleições. Dessa forma seria possível evitar que um governante deixasse uma situação desfavorável para o sucessor nas contas do governo. Tasso também flexibilizou as condições para repasse de verba da União aos governos locais nos casos em que apresentem desequilíbrio nas contas previdenciárias. Além disso, para evitar resistências de deputados, o relator retirou as entidades filantrópicas da proposta.

O relator acolheu emenda do senador Otto Alencar (PSD-BA), que atende a pleitos dos governos regionais. Pelo projeto, para fazer a adesão às regras previdenciárias da União, basta os governadores aprovarem lei ordinária, que exige maioria simples, com impacto imediato nos municípios do estado. A equipe econômica evitou comentar a PEC paralela, mas integrantes adiantam que não gostaram da possibilidade de recuo da adesão dos governadores.

Segundo técnicos que auxiliaram o relator, as mudanças têm por finalidade preservar a autonomia dos governos regionais prevista na Constituição, ou seja, os governadores têm a prerrogativa de aderir ou não a uma lei federal. Da mesma forma, há um entendimento por parte dos senadores de que, da maneira como o texto foi aprovado,as regras seriam muito duras em relação aos estados, que ficariam dependentes da União.

Sem penalidades

A emenda livra os governos que aderirem às novas regras de aposentadoria da União de vários tipos de penalidades mesmo que seus regimes próprios de previdência apresentam desequilíbrio financeiro. Dessa forma, não estariam sujeitos a punições como proibição de transferência de recursos da União, veto a concessões de garantias e restrição à obtenção de empréstimos por instituições financeiras federais. As limitações constam do texto principal da reforma.

O raciocínio é que a adesão dos governos regionais às novas regras de aposentadoria do governo federal, por si só, já seria um indicativo de compromisso com a sustentabilidade de seus regimes.

— A emenda acolhida pelo relator é justa ao não permitir que os estados que façam reforma em seus sistema de aposentadoria fiquem à mercê de burocracias em aspectos tão vitais — disse um interlocutor.

Como houve pedido de vista coletiva, o texto será discutido no próximo dia 6, na CCJ, com previsão de votação ainda na primeira quinzena de novembro. O presidente de Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse que pretende aprovar em plenário também neste prazo.

O parecer da PEC paralela também aborda outros assuntos. O texto propõe flexibilizar as regras de aposentadoria por idade das mulheres. Pela reforma da Previdência, a idade atual de 60 anos sobe seis meses a cada ano. No relatório apresentado ontem, passaria a subir seis meses a cada dois anos —o que dobraria o prazo da transição. O texto reduz o tempo mínimo de contribuição de 20 anos para 15 anos para homens que ainda vão ingressar no mercado de trabalho. A quota de dependentes na pensão por morte, que é de 10%, passaria para 20% para menores de 18 anos. Com a reforma, o valor da pensão deixa de ser integral e cai para 60%, mais 10% por dependente.

No parecer, Tasso retira as entidades filantrópicas da reforma. Ele pretendia acabar com a isenção fiscal do setor, mantendo o benefício apenas para Santas Casas e organizações que vivem de doações e não cobram por serviços prestados. Agora, optou por tratar do assunto à parte, em um projeto de lei complementar.

Estados enviam projetos

Com a apreciação dos dois destaques que ficaram pendentes —depois de acordo entre o governo e líderes dos partidos — a votação do texto principal da reforma foi concluída ontem. A promulgação, em sessão solene do Senado e da Câmara, está prevista para entre 12 e 19 de novembro. As novas regras de aposentadoria entrarão em vigor a partir da promulgação.

Por acordo firmado, a equipe econômica se comprometeu a enviar um projeto de lei que vai listar as categorias que terão direito a aposentadoria especial porque lidam com atividades de risco e agentes nocivos à saúde, como vigilantes armados. O secretário especial de Previdência, Rogério Marinho, admitiu que há um vácuo jurídico e que a regulamentação vai permitir à União economia de R$ 23 bilhões com sentenças judiciais envolvendo pelos menos 75 categorias.

Os governadores do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e de Goiás, Ronaldo Caiado, apresentaram ontem ao ministro da Economia, Paulo Guedes, seus projetos de ajuste nas respectivas previdências estaduais. Leite mira o ajuste das despesas de pessoal e de Previdência,que crescem ano após ano. Elas já foram enviadas em forma de projeto de lei à assembleia estadual.

Caiado enviará na próxima segunda uma proposta de reforma da Previdência à Assembleia Legislativa goiana.