Correio Braziliense, n. 21398, 17/10/2021. Política, p. 2

Falta transparência em emendas


O economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, considera que o uso político das emendas do relator é inconstitucional, por não atender critérios previstos no artigo 37 da Constituição, que trata da moralidade, publicidade e eficiência na administração pública. "Ali, não tem impessoalidade e não tem transparência. Essas emendas acabaram se constituindo, numa relação que sempre foi promíscua, mas que hoje se tornou ainda pior, entre o Legislativo e o Executivo", ressalta o economista. "Essa relação, o idioma da conversa, sempre foi baseado nas emendas parlamentares. Isso piorou, ficou agravado, com o surgimento desses valores espantosos das emendas de relator."

Ele destaca que as emendas do relator, ao contrário do que muitos imaginam, existem há muito tempo e que foi por meio delas que políticos conhecidos como "anões do orçamento", na virada dos anos 1980 para os 1990, desviaram dinheiro público usando entidades sociais fantasmas e empreiteiras. Uma CPI que investigou o escândalo chegou a recomendar providências para adequar esse tipo de emenda ao interesse público.

Em 2006, uma Resolução da Câmara regulamentou as atividades da Comissão Mista do Orçamento e determinou que as emendas de relator seriam utilizadas apenas para a correção de erros e omissões, recomposição de dotações canceladas e atendimento às especificações do Parecer Preliminar — relatório prévio que o relator-geral apresenta e é votado no colegiado.

Castello Branco chama a atenção para o fato de, em 2007, as emendas de relator terem abrangido apenas três itens, um dos quais, o reajuste do salário mínimo. "O Parecer Prévio do Orçamento de 2020 compreendeu 28 itens. Com o presidente da República fragilizado, o preço do apoio político subiu", frisa. Segundo ele, em 2020 e 2021, as emendas de relator aprovadas somavam R$ 30,1 bilhões e R$ 29,1 bilhões, respectivamente. Como esses valores inviabilizariam o Orçamento, retirando recursos até de benefícios previdenciários, o Executivo negociou, e essas cifras diminuíram em 2021, para R$ 16,8 bilhões.

O especialista destaca, ainda, que, além das emendas do relator, o governo tem lançado mão de um outro recurso orçamentário para agradar políticos aliados. São as chamadas transferências especiais, que agilizam os repasse de recursos para as unidades da Federação, mas reduzem a transparência e o controle social dos recursos do Orçamento da União.

Segundo Castello Branco, do total das emendas parlamentares no Orçamento da União deste ano, que é de R$ 33,8 bilhões, recursos da ordem de R$ 2 bilhões são repassados aos estados e municípios na forma de transferências especiais. "O valor passou de R$ 621,2 milhões em 2020 para R$ 2 bilhões em 2021. Como não há identificação da programação, não se conhece previamente a sua destinação no território brasileiro", diz. (JV)