O Globo, n. 31615, 27/02/2020. Economia, p. 19

Temor com coronavírus: bolsa desaba 7%

Gabriel Martins


A retomada da Bolsa brasileira ontem, depois do carnaval, foi marcada por um tombo histórico. Seu índice de referência, o Ibovespa, abriu já com queda de 1,9%, para fechar com desvalorização de 7%, aos 105.718 pontos — menor apenas que o recuo de 8,8% registrado em 18 de maio de 2017, um dia depois de o colunista do GLOBO Lauro Jardim ter divulgado áudios de conversas entre Joesley Batista, da JBS, e o então presidente Michel Temer. Já o dólar comercial fechou ontem com alta de 1,08%, a R$ 4,44, novo patamar recorde.

No Brasil, o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso de coronavírus no país, de um morador de São Paulo que esteve na Itália a trabalho.

Na segunda-feira, os mercados globais sofreram fortes perdas depois de a Itália confirmar mais de 200 casos da epidemia de coronavírus, com mortes. A Bolsa de Milão perdeu 5,43%, e a de Londres, 3,34%. Já o índice Dow Jones, de Nova York, caiu 3,56%.

O fato de a doença ter atingido com força a Europa — já havia casos, mas poucos — aumentou o temor de desaceleração da economia global. As mortes registradas no Irã e na Coreia do Sul foram mais um fator de preocupação.

‘Situação ficou pior’

Já prevendo turbulência no mercado de câmbio, antes mesmo da abertura dos negócios o Banco Central (BC) anunciou um leilão extraordinário de 10 mil contratos de swap cambial (operação com compromisso de recompra no futuro), no valor de US$ 1,5 bilhão. Mas a atuação do BC, que aconteceu às 13h30m, não foi capaz de conter a alta da moeda.

— A situação ficou pior do que já estava. A economia global está afetada, as commodities estão caindo, e as exportações para a China tendem a ser mais reduzidas ainda — disse Alberto Ramos, economista-chefe para a América Latina do banco Goldman Sachs.

— Todo esse arcabouço afeta as exportações brasileiras, sejam aquelas que vão para Pequim ou não, uma vez que os produtos serão vendidos por um preço menor devido à queda das commodities.

Mas ele ressalta que, apesar da confirmação do caso brasileiro, ainda não é possível definir a extensão da doença em território nacional, o que gera ruído entre os investidores. Ontem, o o barril de petróleo tipo Brent teve queda de 2,77%, a US$ 53,43. No ano, a desvalorização chega a 19%.

Aéreas têm forte queda

No Ibovespa, as maiores perdas foram das companhias aéreas, devido à expectativa de queda no turismo por causa da epidemia. A Gol sofreu um tombo de 14,31%, enquanto a Azul desabou 13,30%. A empresa de turismo CVC teve desvalorização de 11,33%.

Os papéis da Petrobras fecharam com perdas de 9,95% (ordinárias, com direito a voto) e 10,05% (preferenciais, sem voto). Já a Vale, que tem na China seu principal cliente, caiu 9,54%.

Para o presidente executivo da gestora BlackRock no Brasil, Carlos Takahashi, a perda de ontem foi pontual, como ocorreu nos Estados Unidos e na Europa durante o carnaval:

— A Bolsa brasileira fez as correções neste pregão após dois dias fechada e enquanto os índices globais registravam fortes perdas por conta do coronavírus. Quando observamos os fundamentos macroeconômicos da economia brasileira, essa perda tão intensa não se justifica.

Takahashi também não espera uma fuga dos investidores externos, apesar de o mercado brasileiro estar menos atraente com a taxa básica de juros (Selic) em sua mínima histórica, de 4,25% ao ano. Segundo ele, para o investidor que tem objetivos de médio e longo prazos os países emergentes ainda são boas opções:

— A curto prazo, vamos ver reajuste de preços de ativos, possíveis problemas de esfera microeconômicas, mas, de forma mais ampla, o interesse no Brasil continua.

Nos mercados internacionais, houve uma recuperação parcial. A Bolsa de Milão fechou em alta de 1,44%, enquanto Londres e Paris avançaram 0,35% e 0,09%, respectivamente. Já Frankfurt recuou 0,12%.

Trump alerta para o PIB

Em Nova York, porém, os índices Dow Jones e S&P 500 tiveram a terceira sessão consecutiva de queda, recuando 0,46% e 0,38%, respectivamente. Já a Bolsa eletrônica Nasdaq fechou em alta de 0,17%.

— Ninguém tem a menor ideia da amplitude e duração do impacto negativo do coronavírus na economia global — disse à agência Bloomberg Alec Young, diretor gerente de Mercados Globais no FTSE Russell, empresa de serviços para o mercado acionário.

À noite, o presidente Donald Trump afirmou que a epidemia pode afetar o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) este ano.

Fatura do cartão de crédito usará cotação do dólar do dia da compra

Os consumidores que fazem compras em dólar no cartão de crédito terão, a partir da próxima segunda-feira, mais clareza sobre o real valor da fatura. No dia 2 de março, entra em vigor a determinação do Banco Central (BC) que exige que os bancos convertam as transações para reais com o câmbio do dia em que as compras foram feitas. A mudança na regra ameniza o risco cambial de quem compra produtos em viagens ao exterior ou em sites estrangeiros.

Como, atualmente, a cotação usada é a do dia do fechamento da fatura, o consumidor fica vulnerável à variação do dólar entre a data da compra e o pagamento do cartão.

Por exemplo, no início de fevereiro, a moeda americana estava cotada a R$ 4,249. Ontem, encerrou no recorde histórico de R$ 4,44 — o que representa uma diferença de 4,49%.

Em novembro de 2018, quando anunciou a mudança nas regras para compra em dólar, o BC avaliou que as novas normas darão mais transparência. Isso porque os bancos terão de informar diariamente o câmbio usado, o que permitirá a elaboração e divulgação de rankings das taxas por instituição.

Além disso, a fatura terá de apresentar a discriminação de cada gasto, seu valor em reais, data, valor equivalente em dólares e a taxa de conversão usada. Ao saber tudo isso, será possível avaliar quais são os cartões mais vantajosos para compras no exterior.

O consumidor terá previsibilidade e estará mais protegido. Mas há o outro lado da questão: se o dólar recuar entre a data da compra e o fechamento da fatura, ele terá de arcar com a cotação maior.