O Globo, n. 31615, 27/02/2020. Sociedade, p. 24

Autoridades em alerta: Brasil em fase de contenção

Ana Lucia Azevedo
Constança Tatsch


Autoridades de saúde de São Paulo monitoram familiares e pessoas que estavam no voo que trouxe da Itália o primeiro paciente diagnosticado com o coronavírus no país, um empresário de 61 anos. Ele se recupera em casa.

Autoridades de saúde monitoram cerca de 50 pessoas que tiveram contato com o primeiro paciente confirmado com coronavírus no país — e em toda a América Latina. Alista inclui familiares do empresário de 61 anos, que chegou da Itália na última sexta-feira, e passageiros do voo que trouxe o executivo da Europa.

Alistados que estavam no voo e são monitoradas soma 17 pessoas. Quatro moram na capital paulista. Um passageiro é de Campinas, um, de Jundiaí, e outros três são de Porto Alegre (RS). Oito estrangeiros também são acompanhados, em ação coordenada pelo Ministério da Saúde. Não há informação da nacionalidade nem se eles permanecem no país.

Além disso, estão sendo monitorados 30 familiares que participaram com o empresário de um almoço no último domingo, depois que ele voltou, ainda assintomático, de uma viagem pelo norte da Itália. Um apar tedos parentes é de Vinhedo e de Valinhos, na região de Campinas. Essas pessoas foram orientadas a observar eventuais sintomas e são contatadas praticamente todos os dias, mas não estão obrigadas ase isolarem casa.

O empresário foi atendido na segunda-feira à noite no Hospital Israelita Albert Einstein, onde um exame preliminar (depois confirmado na contraprova) deu positivo. Desde a confirmação, o hospital adotou um novo protocolo para atendimento e diagnóstico da doença. Pacientes com sintomas semelhantes já recebem máscaras, que também foram adotadas por funcionários do pronto-socorro.

O empresário está em isolamento domiciliar, que deve ser mantido por 14 dias, enquanto é monitorado por uma equipe do hospital. Sua mulher não recebeu orientação de quarentena, pois não apresenta sintomas da doença.

— Ela está na mesma casa, em outro ambiente, e assintomática. As recomendações incluem que não compartilhem utensílio seque a roupa dele seja lavada separadamente. Seu lixo também deve ser descartado separadamente.

Faz parte do protocolo — afirmou Solange Saboia, chefe da Coordenadoria de Vigilância em Saúde de São Paulo (Covisa).

Para evitar sobrecarga

O empresário embarcou para o Brasil na quinta-feira, no voo AF454, que saiu do Aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, às 23h20, e chegou a Guarulhos no dia seguinte, às 7h20. De acordo com a AirFrance, os protocolos seguidos no voo estão sendo investigados. A companhia foi acionada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

As autoridades investigam outros 11 casos suspeitos de coronavírus em São Paulo — nove na capital.

— Provavelmente teremos outros casos. Agora fazemos monitoramento dos “contatantes” do paciente para que o vírus não se espalhe — explicou Alberto Kanamura, secretário-executivo da Secretaria estadual de Saúde de São Paulo.

O estado possui ao menos dez mil leitos de isolamento em terapia intensiva. Ao menos mil já foram preparados para receber casos graves.

Para evitar sobrecarga no sistema de saúde, é importante que procurem atendimento aqueles que, além dos sintomas, tenham tido contato com alguém com coronavírus ou tenham viajado para algum dos países com epidemia localizada:

— Um paciente é internado não pela possibilidade de contágio, mas pela gravidade — disse o médico David Uip, que coordena o novo Centro de Contingência de Coronavírus criado pelo governo paulista.

Uip segue o protocolo determinado pelo Ministério da Saúde: fazer o isolamento domiciliar quando os sintomas são brandos, deixando a internação para os casos mais graves.

— O isolamento domicilia ré o mais recomendado. Temos que levar pessoas com quadro respiratório grave para o ambiente hospitalar. (Casos leves são) monitorados diariamente por uma equipe da Secretaria de Saúde — explicou o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em entrevista coletiva, ontem.

O Brasil já está no terceiro nível de risco, o mais alto dos três estabelecidos pela pasta para enfrentamento à doença. A confirmação do caso não muda essa situação e, por enquanto, a rotina dos aeroportos não será alterada — embora o ministro tenha recomendado evitar viagens a países com surto. O país, hoje, está na fase de contenção do vírus; caso se espalhe, terá início a fase de mitigação, ou seja, de reduzir a incidência de casos graves e mortes. O protocolo diz que isso ocorre quando houver cem casos confirmados.

“As recomendações incluem que os dois não compartilhem utensílios e que a roupa dele seja lavada em separado” — Solange Saboia, chefe da Covisa.

Vírus veio para ficar, como uma nova gripe

Pandemia ou não, o vírus da Covid-19 aportou, sem surpresa alguma, no Brasil, e um número crescente de especialistas o considera fora de controle. Um dos mais conceituados, o chefe do Departamento de Epidemiologia da Universidade de Harvard, Marc Lipsitch, acredita que o vírus veio para ficar por um bom tempo. Isso quer dizer que, provavelmente, ele infectará a nós ou a alguém que conhecemos.

Lipsitch disse às revistas “Nature” e “The Atlantic” que, ao longo deste ano, algo entre 40% e 70% da população mundial serão infectados pelo SARS-CoV-2, a sigla complicada escolhida pela OMS para designar o vírus. Mas ele e os demais especialistas enfatizam que isso não significa que todos terão uma doença grave. Ao contrário, a imensa maioria dos casos será assintomática e bastante branda.

Passados dois meses de epidemia, ainda sabemos pouco sobre o vírus. Mas, baseados no observado até agora, especialistas acreditam que a Covid-19 será como uma nova gripe (influenza). Ela trará risco de morte principalmente para idosos e pessoas com doenças preexistentes.

Há um consenso emergente entre os epidemiologistas que, se a Covid-19 continuar com o mesmo padrão visto até agora, sem maior severidade, ela se tornará uma doença respiratória endêmica. Só poderá ser de fato controlada quando houver uma vacina. Mas, a despeito de anúncios sobre testes in vitro ou com animais, esse é um processo complexo e deverá levar, no mínimo, muitos meses.

O maior perigo é que, ao se tornar endêmico, o vírus fatalmente sobrecarregará os sistemas de saúde. Autoridades de saúde de países ricos e sem maiores epidemias de doenças infecciosas para controlar além da gripe, como os Estados Unidos, já mandaram a população se preparar.

Enquanto o número de casos for pequeno, o Brasil tem laboratórios e hospitais de referência capazes de dar conta do recado. Porém, se o vírus se espalhar significativamente, o que não é considerado provável neste momento, haverá problemas, porque a rede já é deficiente para as doenças corriqueiras aqui.

É preciso prevenir, mas sem pânico, dizem médicos

O primeiro caso confirmado de Covid-19 no Brasil não é motivo para que a população entre em pânico, de acordo com especialistas. Por enquanto, o país segue numa situação de contenção e bloqueio da doença.

Para o infectologista Alberto Chebabo, professor da UFRJ, por ora não é preciso procurar o sistema de saúde por sintomas comuns de gripe —a não ser que o paciente tenha viajado para lugar com surto de coronavírus ou tenha tido contato com alguém que viajou para esses países.

O uso de máscaras como forma de se proteger também é desaconselhado:

— Não há evidência científica de que o uso indiscriminado funcione. Ao contrário, as pessoas não sabem usar. A máscara tem período de proteção, de duas a quatro horas, depois fica úmida e perde a capacidade de barreira. As pessoas também não cobremo rosto todo, deixam o nariz de fora, tocama máscara coma mão. Ela dá uma falsa sensação de proteção e pode, então, aumentar o risco.

O infectologista Celso Granato reforça:

— Apessoado enteéqu em deve usar máscara, pois vai segurar as gotículas que levam o vírus.

Já Chebabo diz que o perigo da doença precisa ser dimensionado em relação ao da gripe comum.

— Há diferenças e similaridades: é uma doença respiratória como a gripe e tem evolução semelhante em termos de óbitos. É um quadro em que a maioria das pessoas vai ter branda. Aleta é maior em quem tem alguma comorbidade (com duas ou mais doenças ao mesmo tempo), como acontece coma gripe.

Ele aponta que outra diferença é não haver vacina ou tratamento para o novo vírus.

— Não conhecemos bem o vírus para saber se ele vai sofrer alguma mutação e evoluir para algo mais grave.

Os especialistas afirmam que alguns cuidados devem ser adotados pelas pessoas desde já parta evitar a propagação do coronavírus.

Lavar as mãos com água e sabão é sempre recomendado. Também se pode usar álcool gel de forma abundante, especialmente após situações em que pode haver contágio, como ao usar transporte público. Outro cuidado é evitar colocar a mão na boca, olho ou nariz, porque ela sempre pode estar infectada.

Uma recomendação importante é, assim que possível, se vacinar contra a gripe.

— As pessoas devem se vacinar, especialmente idosas ou com doença primária, até para ajudar o sistema de saúde — afirma Granato.