O Globo, n. 31615, 27/02/2020. País, p. 9

Ato de PMs reacende projeto de quarentena eleitoral na Câmara

Thais Arbex


A indicação de motivação política no motim de militares no Ceará reacendeu no Congresso o debate sobre o projeto que cria uma quarentena eleitoral para juízes, integrantes do Ministério Público e policiais. A proposta, de autoria do deputado Fábio Trad (PSDMS), tem como objetivo impedir que membros dessas categorias utilizem seus cargos para se viabilizar eleitoralmente. O texto estabelece novos prazos de desincompatibilização, determinando aos que desejam ingressar na política que se afastem de suas atividades até seis anos antes do pleito.

— Meu projeto tem uma finalidade muito clara que é a de fixar um período de desincompatibilização que impeça a contaminação e a má influência no certame eleitoral por parte daqueles que se utilizam das prerrogativas de cargos públicos não para bem exercê-los, mas visando popularidade para fins eleitorais — disse Trad ao GLOBO.

Nos últimos dias, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi acionado por parlamentares que expuseram forte ingrediente político no motim em quartéis da capital cearense. A avaliação levada a Maia é que a proximidade da corrida municipal é um dos principais motores do movimento, o que tem dificultado as negociações para o fim da paralisação.

O relato do senador Major Olímpio (PSL-SP), que esteve no Ceará na semana passada, deu mais força aos argumentos levados a Maia. O líder do PSL no Senado declarou que parte dos líderes do motim está olhando para as eleições de outubro. A fala de Olímpio chegou a circular em grupos de líderes da Câmara, corroborando a tese levada a Maia.

— O ingrediente político ficou evidente. Após o acordo de reajuste feito com o governo, e comemorado por policiais, começaram a insuflar o movimento — declarou Olímpio.

Segundo relatos feitos ao GLOBO, Maia teria concordado com o avanço do projeto na Casa e sinalizou que pode pautá-lo na retomada dos trabalhos do Legislativo no pós-carnaval. Se aprovada, a mudança já vale para a eleição deste ano. Por ser uma lei eleitoral complementar, as novas regras não precisam respeitar o princípio da anualidade, ou seja, ser validadas um ano antes do pleito.

Integrantes do governo Jair Bolsonaro que acompanharam a comitiva de ministros ao Ceará na segunda-feira também admitem que, hoje, a solução para o fim do motim depende, fundamentalmente, da política.

Incômodo no judiciário

Para Trad, o comportamento político é “cada vez mais frequente dentro das carreiras de estado” e “contribui para afastar os agentes públicos das rígidas regras de seus cargos, transformando-os em juízes, promotores ou policiais apenas do pescoço para baixo, pois as cabeças só pensam nas urnas”.

— Querem se candidatar? Ok, mas não se utilizem das prerrogativas dos cargos, maculando-os como se fossem mero trampolim para uma disputa eleitoral — afirmou.

Há alguns dias, o presidente da Câmara já havia sido procurado nos bastidores por ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), também para falar sobre o projeto. Magistrados demonstraram incômodo com a participação do juiz Marcelo Bretas, que conduz a Lava-Jato no Rio, em inauguração de obra pública e evento gospel ao lado do presidente Jair Bolsonaro e do prefeito da capital fluminense, Marcelo Crivella.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) acionou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que sejam apurados “atos de caráter político partidário, de superexposição e de autopromoção” praticados por Bretas. O corregedor nacional de Justiça, Humberto Martins, determinou que o Tribunal Regional Federal da 2ª região apure a conduta do juiz.

Segundo aliados de Maia, apesar dos apelos, o Congresso não estava disposto a enfrentar sozinho o debate de uma proposta contra integrantes da magistratura e do Ministério Público. O GLOBO apurou que parlamentares sinalizaram que, para o texto avançar no Legislativo, era preciso que o CNJ também atuasse. Embora o órgão já tenha punido juízes por conduta considerada política, a avaliação é que, após todo o processo interno, Bretas não deve ser penalizado.

Mesmo com um cenário que contribui para o avanço do debate no Congresso, a quarentena eleitoral deve enfrentar resistência. O próprio Major Olímpio, que repudia o caráter político da greve no Ceará, não concorda com a proposta.

— A classe política se pela de medo de ver um (Sergio) Moro, um Deltan (Dallagnol) e um (Marcelo) Bretas nas urnas — argumentou.

“Querem se candidatar? Ok, mas não se utilizem das prerrogativas dos cargos, maculando-os como se fossem mero trampolim para uma disputa eleitoral” — Fábio Trad (PSD-MS), autor do projeto que cria quarentena.