O Globo, n.31.585, 28/01/2020. Sociedade. p.22

Governo recorre ao STJ para tentar liberar Sisu
Paula Ferreira 
Carolina Brígido 
Bruno Alfano 



A Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) na noite de ontem para tentar derrubara decisão que suspendeu a divulgação dos resultados do Sistema de Seleção Unificada( Sisu).Oanún cio seri afeito hoje. O presidente da Corte, João Otavio de Noronha, deve ser o responsável por julgar o recurso. No entanto, não há previsão de quando ele fará isso.

O Inep recebeu 172 mil emails relatando erros nas notas do Enem. Na semana passada, o presidente do órgão, Alexandre Lopes, admitiu que foram corrigidos os resultados de 5.974 estudantes. Eles representam 0,15% dos 3,9 milhões de inscritos que fizeram as prova sem 3 e 10 de novembro. Duas falhas já admitidas pela gráfica Valid fizeram com que essas provas fossem associadas a gabaritos trocados.

Apedido da Defensoria Pública da União, a Justiça exige que o resultado do Sisu só seja liberado após o Ministério da Educação comprovar que todas as notas estão corretas.

—Não durmo bem, não me sinto bem, nem sinto segurança no governo. Só queria uma resposta e saber se minha nota foi conferida, se realmente está certa. Porque eu não acredito que esteja — conta uma estudante de 19 anos, moradora de Montes Claros (MG), que não quis se identificar. Ela conta que chegou a entrar na Justiça para a revisão da nota, mas também não conseguiu.

O governo já acumula duas derrotas judiciais no assunto. Na última sexta-feira, o juiz Hong Kou Hen decidiu pelo impedimento da divulgação do resultado —com multa de R$ 10 milhões por dia em caso de descumprimento. Anteontem, a presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), a desembargadora Therezinha Cazerta, negou pedido da AGU para derrubar a decisão.

CALENDÁRIO PREJUDICADO

O ministério anunciou que o prazo para a inscrição no Programa Universidade para Todos(Pro uni ), que usa anotado Enem para conceder bolsas de estudos em universidades privadas, está suspenso. O programa também abriria hoje. Segundo a pasta, todo calendário será reformulado após a Justiça tomara sua decisão.

Isso pode fazer, segundo o diretor-executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de EnsinoSu peri or(ABM ES ), Só lon Caldas, que os estudantes admitidos pelo Pro uni e também pelo Fundo de Financiamento Estudantil( Fies)che gu emà universidade apenas no segundo semestre:

— Se isso acontecer, os estudantes são admitidos no semestre seguinte, já que o calendário letivo das universidades privadas já estará em curso. Mas acho que o MEC tem interesse em resolver isso o quanto antes.

No caso das universidades federais, a preocupação é de que o atraso no cronograma acabe gerando um número maior de vagas ociosas nas instituições. Presidente da Associação Nacional dos Dirigentesdas Instituições Federais de

Ensino Superior (Andifes), João Carlos Salles afirma que a indefinição sobre o Sisu atrasará a rodagem das listas de aprovados das universidades e, consequentemente, pode levar ao não preenchimento de todas vagas. Salles alerta para que os estudantes fiquem atentos a posicionamentos divulgados pelas universidades —algumas, como a Unifesp, a UFRN, a UFPA e USC já tomaram medidas nesse sentido.

— O calendário do Sisu é muito apertado. Um atraso pode provocar um efeito indesejável em relação ao início das nossas atividades, atrasando a matrícula, e fazer com que não haja preenchimento completo de vagas —avalia Salles.

Ele argumenta ainda que a insegurança em relação ao sistema pode acabar gerando inclusive uma debandada das federais que aderiram ao método de seleção (nesta edição, 128 instituições públicas de ensino superior oferecerem 237.128 vagas na plataforma):

— A judicialização pode comprometera credibilidade do sistema. Isso significa que as instituições que optaram pelo Sisu podem voltar atrás, retomar os métodos antigos de escolha, o que quebraria o processo de seleção nacional.

O MEC divulgou ontem o número final de inscrições no Sisu: foram 3,5 milhões realizadas por 1,8 milhão de candidatos. Medicina puxou a lista do número de inscrições, com 274.190. Os dois que seguem são Administração (190.454) e Direito (175.413). Os mais concorridos, ou seja, com maior número de inscritos por vaga ofertada, foram Ciências Biomédicas (145 inscrições/ vaga), Educação Física (106) e Têxtil e Moda (94).

AUDITORIA EXTERNA

João Marcelo Borges, diretor de Estratégia Política da ONG Todos Pela Educação, afirmou que, apesar da falha da gráfica, o Inep também tem responsabilidade nas notas erradas. Segundo ele, o órgão também possui um mecanismo de verificação:

—E lenão foi acionado ou foi feito de man  eira equivocada.

O especialista acredita que a solução para o problema passa pelo MEC dar mais transparência ao processo e abrir seus dados para uma auditoria externa, formada por pesquisadores e membros do Judiciário.

— A credibilidade do Inep foi afetada com esse episódio. E isso é um fato muito grave — explica o representante do Todos Pela Educação.

— Essa mesma gráfica, mais ou menos no mesmo período do Enem, também produziu as provas do Saeb (Sistema de Avaliação de Educação Básica), que gera o Ideb. Se até a divulgação dos resultados do Saeb, no final deste semestre, essa nuvem de incerteza não tiver sido superada, esse problema de credibilidade também afetara avaliação, oque seria desastroso.