O Globo, n. 31488, 23/10/2019. País, p. 6
Caminho do meio
Carolina Brígido
Na véspera do julgamento sobre prisões de condenados em segunda instância, ganhou força ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) o chamado caminho do meio. Nesse cenário, não seria definido como marco temporal para o início do cumprimento da pena nem a segunda instância, nem o trânsito em julgado — ou seja, o fim da análise de todos os recursos judiciais possíveis. A solução seria prender os réus depois da condenação confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Se essa tese for vitoriosa, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva continuaria preso.
A alternativa intermediária reapareceu diante de um possível impasse. O mais provável é que não haja a maioria de seis ministros nem no time da segunda instância, nem no time do trânsito em julgado. O presidente da Corte, Dias Toffoli, que é o último a votar, já defendeu em outras ocasiões o julgamento de recurso pelo STJ como condição para o início do cumprimento da pena. A proposta de Toffoli seria o STJ julgar apenas o primeiro recurso antes do início do cumprimento da pena.
No processo do tríplex do Guarujá (SP), pelo qual Lula está preso, o STJ já julgou o primeiro recurso. A condenação foi mantida, mas a pena foi reduzida. Ainda existem embargos da defesa a essa decisão aguardando julgamento. Mas, pela tese defendida por Toffoli, como o recurso principal já foi analisado, a prisão já estaria autorizada nesse momento processual.
A expectativa é de que cinco ministros votem pelo trânsito em julgado. Outros cinco já se manifestaram pela prisão de condenados em segunda instância em outras ocasiões. A proposta de Toffoli estaria no meio do caminho.
Ministros que historicamente defendem a segunda instância já disseram, em caráter reservado, que migrariam para a solução de Toffoli quando houver a proclamação do resultado do julgamento. Isso porque, se mantiverem seus votos originais, ganha o time do trânsito em julgado. Toffoli tenderia a migrar para esse lado, caso ninguém apoie sua tese, formando o placar de seis votos a cinco contra a segunda instância.
— Dos males, o menor — analisou reservadamente um ministro do STF.
A sessão de hoje vai começar pela manhã, com a sustentação oral de dois advogados interessados na causa. Na sequência, falarão o advogado-geral da União, André Mendonça, e o procurador geral da República, Augusto Aras. Somente depois, os 11 ministros começarão a votar. Nos bastidores, alguns ministros combinaram de dar votos curtos, em comparação aos padrões recentes do plenário. O relator, Marco Aurélio Mello, deve levar menos de meia hora para manifestar sua já conhecida posição a favor do trânsito em julgado.
Depois da votação, haverá discussão sobre como proclamar o resultado final. É nessa parte do julgamento que pode haver migrações dos ministros para a coluna do meio. Mesmo com tantos detalhes sendo costurados nos bastidores, e com tantas nuances da discussão, ministros apostam que o julgamento termina até amanhã.
Lava-jato
Ontem, o ministro Celso de Mello arquivou notícia-crime apresentada pelo líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS), que pedia o oferecimento de denúncia contra sete procuradores da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba. Pimenta acusou os investigadores de terem cometido crimes no curso da operação.
O ministro afirmou que, pela regra do foro especial, integrantes do Ministério Público Federal (MPF) não são julgados no STF por infrações penais comuns.
Segundo o parlamentar, os procuradores Deltan Dallagnol, Laura Tessler, Vladimir Aras, Paulo Roberto Galvão, Sérgio Bruno Cabral Fernandes, Athayde Ribeiro e Daniel de Resende Salgado cometeram fraude processual, prevaricação, participação em organização criminosa e abuso de autoridade em razão de supostos contatos com autoridades da Suíça e de Mônaco para obtenção de provas ilícitas.
Celso de Mello ponderou que o deputado não acrescentou à acusação prova ou documento. O ministro ainda explicou que o Judiciário não tem o papel de pedir para o MP oferecer denúncia contra alguém.
As mudanças de entendimento do STF
2009
O STF decide que a prisão só poderia ocorrer após todos os recursos no Judiciário serem esgotados. Até então, a Corte entendia que a presunção da inocência não impedia a execução de pena confirmada em tribunal de segunda instância.
2016
Por sete votos a quatro, o STF altera o entendimento e define em um caso específico que a pena poderia ser executada após a condenação em segunda instância. Em outros dois julgamentos no mesmo ano, o plenário confirma essa possibilidade.
2018
Ao negar, por seis votos a cinco, habeas corpus ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em abril, o Supremo Tribunal Federal reafirma a jurisprudência de que a execução da pena é possível após a condenação por tribunal de segunda instância.
2019
O STF iniciou, na última quinta-feira, o julgamento que deve rever a orientação atual da Corte de permitir a prisão em segunda instância. A primeira sessão foi dedicada à manifestação dos advogados interessados na causa. A análise será retomada hoje.