O Globo, n. 31501, 05/11/2019. Economia, p. 13

Controle de incentivos
Marcello Corrêa



O pacote de medidas elaborado pela equipe econômica para ajustar as contas públicas contará com um mecanismo permanente de controle dos benefícios fiscais concedidos pela União. A regra consta da chamada PEC emergencial, proposta de emenda à Constituição que será encaminhada hoje ao Congresso. Alguns incentivos, como o da Zona Franca de Manaus, no entanto, seriam poupados.

O texto prevê cortes progressivos nesse tipo de incentivo, até que a renúncia fiscal fique abaixo de 2% do PIB. Hoje, esse percentual está em 4%. Já de largada, está previsto um corte linear de 10% nesses benefícios, o que garantiria uma economia de mais de R$ 27 bilhões já no ano que vem, como haviam informado fontes da equipe econômica. Essa redução ocorreria logo após a promulgação da emenda, caso a proposta seja aprovada.

A partir dessa primeira medida, seria criado um sistema de controle que entraria em ação de quatro em quatro anos. A primeira revisão desse novo sistema ocorreria daqui a seis anos. Quando for preparar o Orçamento de 2026 — época em que será feita a revisão do atual regime de teto de gastos —, o governo verificará se os benefícios tributários permanecem acima de 2% do PIB. Caso estejam, cortará automaticamente 20% dos incentivos, de maneira linear.

Em 2030, uma nova análise seria feita. Se o limite ainda tiver sendo descumprido, nova redução de 20% seria realizada. Esse expediente se repetiria de quatro em quatro anos, até que os incentivos fiquem abaixo do patamar estabelecido pela regra.

Tanto o novo sistema de controle como o corte imediato de 10% não afetariam os benefícios previstos na Constituição. Por isso, a Zona Franca não seria afetada. Benefícios para entidades sem fins lucrativos, também previstos na Carta, seriam igualmente poupados.

Gatilhos já em 2020

Hoje, o governo federal deixa de arrecadar R$ 325 bilhões com esses incentivos, o equivalente a 4,02% do PIB, segundo o mais recente Demonstrativo de Gastos Tributários (DGT). O ministro da economia, Paulo Guedes, já havia afirmado que pretende reduzir esses incentivos que, na avaliação dele, são um efeito colateral da alta carga tributária do país.

A íntegra da PEC emergencial foi obtida pelo deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), que é autor de uma proposta semelhante que tramita na Câmara. Fontes da equipe econômica afirmam que o texto ainda poderia sofrer ajustes até sua apresentação hoje.

O projeto do governo será encaminhado hoje pessoalmente pelo presidente Jair Bolsonaro ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O plano de Guedes é garantir a aprovação da medida até o fim do ano, para que tenha efeito já a partir de 2020. O texto será enviado junto com outras duas medidas: uma PEC para desvincular recursos de fundos públicos e outra para redistribuir recursos com estados e municípios, chamada de Mais Brasil. Amanhã, o governo deve apresentar ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), uma quarta medida, a reforma administrativa, para rever as regras do funcionalismo.

Além do corte de incentivos fiscais, a PEC emergencial prevê medidas temporárias que seriam acionadas por causa do descumprimento da chamada regra de ouro, que proíbe o governo de se endividar para pagar despesas correntes, como folha de pagamento. Essa regra já foi descumprida neste ano e será novamente no ano que vem, por isso, esses chamados gatilhos já entrariam em ação em 2020. Esses outros ajustes garantiriam impacto de R$ 24,8 bilhões por ano e valeriam por dois anos.

O principal gatilho é a antecipação das medidas previstas na regra do teto de gastos, que impede que despesas cresçam mais que a inflação do ano anterior. Entre as vedações previstas, estão a proibição de criação de cargos e de realização de concursos públicos. Como o teto ainda não foi rompido, esses ajustes não foram acionados. Antecipá-los garantiria uma economia de R$ 16,5 bilhões.

Outro gatilho seria o corte de salários e jornadas dos servidores, que renderia economia de R$ 7 bilhões. Completa a lista a suspensão da progressão funcional para servidores, com impacto de R$ 800 milhões, além de outras medidas de menor impacto.

De acordo com cálculos da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, o impacto da PEC emergencial do governo seria menor do que o da proposta de Pedro Paulo, que renderia uma economia de R$ 95,5 bilhões.

O parlamentar é crítico ao texto do governo. “A proposta do governo fez uma dieta rigorosa comparada com a minha. A PEC emergencial prevê medidas por apenas dois anos e uma economia de apenas R$ 24 bilhões. A PEC 438 propõe medidas estruturais para a redução das despesas obrigatórias e soluções permanentes e eficientes para a economia do país”, escreveu o parlamentar, em seu blog.

Veja as medidas que serão apresentadas

O governo enviará ao Congresso quatro propostas de emenda à Constituição (PEC) e ao menos dois projetos de lei, parte da agenda pós-Previdência da equipe econômica. Veja abaixo quais são.

PEC do pacto federativo

Prevê a distribuição de recursos com estados e municípios. A divisão será feita principalmente por meio da divisão de royalties do petróleo. O governo federal quer que, no futuro, estados e municípios fiquem com 70% da arrecadação desses recursos, e a União receba apenas 30%. Hoje, ocorre o inverso: governos locais ficam só com 30%. A medida também desvincula recursos hoje carimbados, como os destinados a saúde e educação. Esse plano é chamado pela equipe econômica de DDD, referência a desvinculação, desindexação e desobrigação. Será enviada hoje ao Congresso.

PEC emergencial

Medidas para cortar despesas obrigatórias no curto prazo. A proposta inclui um corte de 10% nos benefícios fiscais e revisões periódicas de quatro em quatro anos, a partir de 2026, para manter essas renúncias fiscais abaixo de 2% do PIB. Além disso, prevê gatilhos acionados pelo descumprimento da regra de ouro, que proíbe que o governo se endivide para pagar despesas correntes. Uma das ações é a redução de jornada e salário de servidores públicos. Essa medida também seria aplicada a estados e municípios, acionada pelo descumprimento dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Será enviada hoje ao Congresso.

PEC dos fundos

A proposta busca liberar R$ 220 bilhões, hoje parados em mais de 280 fundos públicos. O objetivo é usar esse dinheiro para abater a dívida pública, hoje em R$ 5,5 trilhões. Esse montante equivale hoje a 79% do Produto Interno Bruto (PIB). A reformulação vai poupar os fundos constitucionais do Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Nestes casos, o dinheiro é usado para investimentos nos estados dessas regiões. Será enviada hoje ao Congresso.

PEC da reforma administrativa

Revisão das regras do funcionalismo. Entre as principais medidas, o governo quer rever o modelo para conceder estabilidade a novos servidores. Quem entrar a partir da aprovação das novas regras, precisará passar por três anos de estágio probatório e será contratado sem estabilidade por até sete anos. Após dez anos (três de estágio e sete de contrato), será servidor estável. Hoje, aprovados em concursos se tornam estáveis após os três anos de estágio. O governo também planeja uma ampla reestruturação das carreiras.Hoje, há mais de dois mil cargos e 117 carreiras no funcionalismo. O plano inclui a extinção de carreiras consideradas obsoletas, como datilógrafo, ascensorista e vidreiro. O fim dessas funções, no entanto, só ocorreria após a aposentadoria dos servidores que hoje ocupam esses cargos. Não há previsão de demissão de servidores.

Pacote de emprego

Desoneração temporária da folha de pagamento para incentivar o emprego de jovens de 18 a 29 anos e pessoas acima de 55 anos. Serão zeradas as contribuições para Previdência, Sistema S e salário-educação dessas faixas etárias. O FGTS deverá cair de 8% para 2%, segundo técnicos a par das discussões. Os benefícios deverão vigorar por dois anos, e os empregadores não poderão se aproveitar da nova modalidade de contratação para substituir os funcionários atuais.

Reforma tributária

Projeto de lei para unificar PIS e Cofins. Será a primeira etapa da proposta do governo para substituir todos os tributos federais por um só, o chamado IVA dual. O texto deve ser incorporado aos dois projetos que já tramitam no Congresso, um na Câmara, outro no Senado. A ideia é tratar as propostas em uma comissão mista.

Privatizações

Projeto de lei para criar uma espécie de fast track para destravar a venda das estatais. Ainda não está claro como o mecanismo funcionaria.