O Globo, n.31.585, 28/01/2020. Economia. p.15

Perda Global
Gabriel Martins 
João Sorima Neto 



O rápido aumento dos casos de coronavírus — com novas ocorrências fora da China e a Organização Mundial da Saúde (OMS) elevando o alerta para a doença — derrubou os principais mercados acionários ontem. O Ibovespa (índice de referência da Bolsa de São Paulo) recuou 3,29%, aos 114.481 pontos. Foi a maior queda desde os 3,57% de 27 de março do ano passado. Já o dólar comercial encerrou aR $4,209, alta de 0,6%, tendo atingido R$ 4,22 na máxima do dia.

No Japão, o índice Nikkei recuou 2,03%, maior queda percentual desde 26 de agosto do ano passado. Em Nova York, o Dow Jones caiu 1,57%, mesmo percentual do S&P 500, mais amplo. A Bolsa eletrônica Nasdaq perdeu 1,89%.

Na Europa, o FTSE (Londres) recuou 2,29%, e o CAC 40 (Paris) caiu 2,68%. O Dax (Frankfurt) perdeu 2,74%. As Bolsas da China e de vários países asiáticos estão fechadas por conta do feriado do Ano Novo Lunar.

— A preocupação do mercado é em relação às consequências das medidas que o governo chinês adotou para conter a doença. Pequim proibiu algumas viagens, determinou o fechamento de áreas que são foco do vírus e cancelou festividades do Ano Novo Lunar. Tudo isso gera um temor nos investidores de que a economia global pode desacelerar, uma vez que a segunda maior economia do mundo está “parada” — disse Pablo Spyer, diretor da Mirae Asset.

A possibilidade de uma demanda chinesa menos aquecida por conta do aumento nos casos de coronavírus impactou diretamente as commodities. O minério de ferro desabou 6% em Cingapura — o mercado chinês, referência para esses contratos, está fechado.

IMPACTO COMERCIAL

Já o barril do petróleo tipo Brent encerrou em queda de 2,26%, a US$ 59,32. Durante as negociações, chegou a perder 3%, valendo US$ 58,87, a menor cotação desde outubro do ano passado. Aqueda foi reduzida depois que a Arábia Saudita, maior exportador do mundo, disse estar monitorando os possíveis impactos no mercado de petróleo. Para Flávio Serrano, economista-chefe do banco chinês Haitong, o Brasil pode ser afetado por dois canais.

— No primeiro, as ações de empresas brasileiras são afetadas pela chamada aversão ao risco. Sempre que há um evento geopolítico ou de saúde que traz incerteza, a confiança dos agentes financeiros em ativos de risco cai. O segundo canal, que acredito faz a Bolsa brasileira sofrer ainda mais, é a expectativa de queda da atividade econômica na China, com efeitos globais. Isso afeta diretamente o Brasil, que vende aos chineses soja, carne, minério de ferro, as chamadas commodities. — explica Serrano.

Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs, avalia que a economia chinesa e a global sofrerão impacto negativo com a disseminação do coronavírus, mas ainda é cedo para dimensionar as perdas. Ele ressalta que o Brasil será afetado pela queda dos preços de commodities como ferro, soja e carne no mercado internacional:

— Para o Brasil, o impacto se dá pela via comercial. A maior parte das exportações brasileiras para a China é de commodities, com preços internacionais, que já estão menores.

Segundo Ramos, ainda não se pode dimensionar a magnitude do problema na economia chinesa, já que a crise ainda está no começo:

— As pessoas na China vão começar a perder dias de trabalho, a deixar de consumir, porque não podem ir a restaurantes, cinemas. O transporte para, assim como o turismo. A esperança é que esse fenômeno seja passageiro. Mas já existem especulações dizendo que mais de 100 mil pessoas estariam infectadas.

O economista também diz que é cedo para saber se as Bolsas continuarão acair ou se o câmbio vai permanecer em um patamar mais elevado.

— Há muita volatilidade agora. É preciso observar se esse movimento no câmbio e nas Bolsas vai durar mais tempo antes de tomar decisões de política macroeconômica, como fazer um ajuste nos juros. Ninguém sabe ainda em que nível os ativos vão ancorar —disse Ramos.

MELHORA A MÉDIO PRAZO

Serrano, do Haitong, também vê grande incerteza neste momento.

—Há expectativa se o vírus vai se espalhar ainda mais, se vai chegar ao Brasil. Mas, em outros eventos como esse, a tendência é que as autoridades sanitárias mundiais controlem a epidemia, e as Bolsas se recuperem no médio prazo —ressalta.

No Ibo vespa, foram afetados ainda os papéis do setor aéreo —Azule da Gol caíram, respectivamente ,3,33% e 6,66% — e dos frigoríficos. As ações da BR FedaJBS perderam, respectivamente ,6,06% e 6,83%. Marfrig recuou 7,27%.