O Globo, n.31.585, 28/01/2020. Editoriais. p.02

Coronavírus ameaça a economia


Termômetros sensíveis, os mercados globais iniciaram a semana em baixa sincronizada devido aos riscos que uma epidemia de um novo coronavírus, originado na China, representa para a economia mundial. As bolsas chinesas, não fosse o feriado do Ano Novo Lunar, estariam abertas e seguiriam a tendência. O mercado acionário do Japão caiu 2,03%, a maior queda desde agosto; o britânico, 2,26%; Wall Street, 1,57%, e com isso zerou os ganhos obtidos desde o início do ano. Já o brasileiro, que opera num fuso horário semelhante ao de Wall Street, retrocedeu 3,29%. Fechou zerando os ganhos do ano e deixando um saldo negativo de 1,01%.

No início da tarde, o pessimismo aumentou, depois que a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu que errou ao menosprezar o surto, elevando seu risco de “moderado” para “alto”. Coerente com o cenário de pessimismo, o dólar subiu.

Mesmo que indique poder ser menos letal que a outra epidemia de Sars (sigla em inglês de Síndrome Respiratória Aguda), de 2003, também provocada por coronavírus — nome inspirado na sua forma de coroa —, a propagação da doença pelo mundo tem sido rápida, e isso se reflete na economia mundial. A começar pelos efeitos causados na própria China, a segunda maior economia do mundo. Por exemplo, pela interrupção de viagens. Ainda mais neste feriado do Ano Novo Lunar, quando dezenas de milhões de chineses costumam viajar dentro e para fora do país.

Ao contrário da lentidão com que Pequim reagiu em 2003, o governo de Xi Jinping foi incisivo. Bloqueou Wuhan, onde houve o primeiro contágio, e estendeu o bloqueio a outras cidades na região, mantendo em quarentena cerca de 20 milhões de pessoas. Logo depois, impediu toda viagem para fora da China. Foi elogiado pelo presidente americano, Donald Trump, com quem se desentende sobre comércio exterior.

A reação temerosa e preventiva dos mercados se deve à inevitável queda de consumo que quarentenas e bloqueios provocarão na segunda maior economia. O impacto positivo nos negócios decorrente das viagens de dezenas de milhões de chineses no atual feriado do Ano Novo Lunar será amortecido.

A epidemia de 2003, segundo a publicação “Geopolitical Futures”, subtraiu US$ 30 bilhões do PIB chinês, o equivalente a um ou dois pontos percentuais do crescimento. O custo para o PIB mundial foi de cerca de US$ 100 bilhões. À época, a China se expandia a taxas próximas dos 10%. Naquele ano, com a Sars, cresceu 9,1%. Mas hoje evolui na faixa dos 6%.

Isso explica porque não apenas ações caem, mas também cotações de petróleo e minérios, produtos primários que deverão ser menos importados pelos chineses. Não há, portanto, como o Brasil se livrar das ondas de choque propagadas pela freada chinesa, cujo tamanho ainda não é previsível. Quanto menor, melhor, mesmo porque o setor externo da economia brasileira está num momento particularmente delicado, em que a perda de dinamismo nas exportações reduzos superávits comerciais e dispara alerta em torno do balanço de pagamentos.

Há portanto uma razão forte para governantes estabilizarem as respectivas economias nacionais, como precisa fazer o Brasil. Bolsonaro necessita aprender esta lição.

Incontáveis projeções econômicas são feitas a todo momento. Mas ninguém prevê um surto desses, mesmo que a China, a cada ano, gere vírus de gripe e de doenças respiratórias, porque a população convive de forma muito próxima à criação de porcos, aves, e consome carne fresca de muitos animais silvestres. Daí o vírus ter saído de um mercado de animais vivos de Wuhan. É uma questão cultural.

Queira-se ou não, a globalização, ainda bem, prosseguirá, até mesmo por força da revolução tecnológica digital. Mas cada país precisa se precaver contra esses efeitos colaterais.