O Globo, n. 31616, 28/02/2020. País, p. 8-9

PMs pedem anistia e reajustes para encerrar o motim no Ceará

Daniel Gullino
Bernardo Mello


Após dez dias amotinados, policiais militares do Ceará divulgaram ontem uma lista de reivindicações para acabar com a paralisação. Entre as 18 exigências, apresentadas em uma reunião com representantes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, está a anistia administrativa e criminal dos agentes envolvidos. Na semana passada, o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), já declarou que isso não é negociável.

A Secretaria de Segurança Pública do Ceará informou ontem que não vai mais divulgar o número de homicídios ocorridos durante o motim. Segundo a pasta, “com o fim do carnaval, há um acúmulo de trabalho no setor de estatística, que deve ser normalizado nos próximos dias”. Entre 19 e 24 de fevereiro, foram registrados 170 assassinatos no estado. Na última terça-feira, o primeiro dia sem dados oficiais, foram registradas 25 mortes violentas, informou o coronel do Exército Leônidas Carneiro Júnior ao site G1. Dessa forma, o número total de assassinatos no Ceará chegou a 195. Ao todo, 47 policiais foram presos, sendo 43 por deserção. As Forças Armadas estão no estado desde a sexta-feira passada.

Os policiais também condicionam a volta ao trabalho ao recebimento de adicionais noturno, de insalubridade e por risco de vida; equiparação do auxílio alimentação aos valores dos demais servidores do estado; isenção de condutores de viaturas policiais por danos causados em acidentes; regulamentação da escala de serviço; auxílio saúde ou recriação do hospital da Polícia Militar; plano habitacional para militares; isenção de ICMS para aquisição de armas e munições pelos militares estaduais; auxílio uniforme, entre outros pontos.

Sobre o reajuste salarial, que motivou o motim, os PMs propõem aumentos que, ao menos, garantam a reposição da inflação nos anos de 2021 e 2022. O governo do Ceará já ofereceu um reajuste escalonado em 2020, 2021 e 2022.

Governo ainda não decidiu se vai prorrogar GLO, que termina hoje

O presidente Jair Bolsonaro não divulgou se ampliará ou não a vigência da operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), cujo prazo inicial se encerra hoje no Ceará.

A informação foi passada pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, após reunião com o presidente pela manhã. À noite, Bolsonaro citou o tema em uma transmissão ao vivo nas redes sociais, mas não indicou se vai atender o pedido do governo do estado, que já requereu a prorrogação devido ao motim de policiais militares.

— A GLO está em vigor até amanhã (hoje). O presidente não decidiu ainda (se irá prorrogar) — disse Azevedo.

O decreto permitindo o emprego das Forças Armadas por meio da operação de GLO foi assinado por Bolsonaro na quinta-feira da semana passada. Na véspera, o senador licenciado Cid Gomes (PDT-CE) havia sido baleado ao tentar furar um bloqueio de policiais com uma retroescavadeira.

Também participaram da reunião de ontem os ministros Sergio Moro (Justiça), Walter Braga Netto (Casa Civil), André Mendonça (Advocacia-Geral da União), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).

De acordo com Azevedo, o objetivo do encontro foi relatar a viagem que ele e Moro fizeram ao Ceará na segunda-feira, para acompanhar a aplicação da GLO:

— Nós detalhamos o que nós vimos, a conversa com o governador do estado, tivemos várias reuniões lá. Nós reportamos a ele o que aconteceu lá. Foi só isso.

Sob pressão, MG e CE gastam mais com polícias

Em meio à pressão das polícias por reajustes salariais, os governos de Ceará e Minas Gerais ampliaram seus gastos em Segurança Pública em ritmo superior aos destinados a pastas como Saúde e Educação nos últimos cinco anos. Levantamento do GLOBO aponta que, no caso do Ceará, os valores pagos pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social superaram em 2019 os gastos da Secretaria de Educação. Em Minas, mesmo sem reajuste entre 2015 e 2019, a Polícia Militar foi a única que teve aumento real da verba na comparação com as pastas de Saúde e Educação.

Com o reajuste de 40% escalonado pelos próximos três anos proposto pelo governador Camilo Santana (PT), mas rejeitado pelos policiais militares, o piso salarial da PM do Ceará ficaria entre os cinco maiores do país. O piso da corporação no Ceará é de R$ 3,2 mil, mesmo patamar de Minas antes do reajuste de Romeu Zema (Novo), de 41,7%. No caso do Ceará, vereadores e deputados estaduais oriundos das forças policiais têm pressionado o governo para ceder às demandas dos amotinados, usando ocaso de Minas como exemplo.

— A segurança entrou na agenda do cidadão, diante do agravamento do problema da violência no país, e isso aumentou a representação das forças policiais no Legislativo. Houve um empoderamento de uma classe — avalia o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung, que enfrentou uma greve de policiais no estado em 2017.

Em 2018, o governo do Ceará gastou R$ 43,1 bilhões em máquinas e equipamentos para a PM. Para Luiz Fábio Paiva, do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará, há uma distribuição desigual de recursos.

— Houve investimento em programas como o batalhão do Raio (Rondas intensivas e ostensivas) esquecendo de coisas básicas, como a remuneração de soldados e cabos — analisa Paiva.

Em Minas Gerais, desde 2015 o gasto total com a PM supera a verba destinada à Educação. O estado já ultrapassou o limite de gasto com pessoal estipulado pela Lei de Responsabilidade Fiscal em 2017 e, segundo o Tesouro Nacional, o reajuste de 100% escalonado por quatro anos, em 2011, foi uma das razões para o desequilíbrio. Zema justificou, em nota, que “as Forças de Segurança conseguiram reduzir todos os indicadores de criminalidade. Minas Gerais é hoje um estado seguro”.

Número de mortes nas rodovias federais aumenta 8% no carnaval

O número de mortes nas rodovias federais de todo o país no carnaval deste ano subiu 8% em relação a 2019. O dado consta de balanço preliminar divulgado ontem pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), que indica um aumento de 6% na quantidade de feridos. O documento inclui dados registrados entre os dias 21 e 26 de fevereiro e mostra ainda que os estados com mais mortes foram Santa Catarina, Bahia, Minas Gerais e Paraná — os quatro concentram 51% dos casos.

Segundo a PRF, 91 pessoas morreram nos quatro dias de carnaval e na quarta-feira de cinzas. No ano passado, o total foi de 83 — uma redução em relação a 2018, que somou 103 mortes.

O levantamento da PRF revela também uma diminuição no número de acidentes: foram 1.213 registros, queda de 3% em comparação com 2019.

Chamou a atenção da polícia o aumento de 64% nas autuações por embriaguez no trânsito — totalizaram 3.260 casos. Dirigir alcoolizado é um comportamento classificado pela PFR como potencializador de “risco e letalidade” nas estradas, assim como não utilizar o cinto de segurança (alta de 43% nas autuações deste ano); ultrapassagens indevidas (24% a mais do que em 2019) e o uso de celular (aumento de 57% nas ocorrências).