O Globo, n. 31617, 29/02/2020. País, p. 10

Mais sete dias: Polícia ou Exército

Daniel Gullino
Naira Trindade
Gustavo Maia
Amanda Almeida
Bruno Góes



O presidente Jair Bolsonaro decidiu estender até 6 de março a operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no Ceará, que vive um motim de policiais há 11 dias. O anúncio foi feito após seis governadores terem oferecido o envio de tropas de PMs ao estado caso as Forças Armadas se retirassem.

O presidente Jair Bolsonaro decidiu ontem prorrogar até 6 de março a operação da Garantia de Lei e da Ordem (GLO) no Ceará, para tentar conter o motim de policiais militares iniciado há 12 dias — o governo do estado tinha pedido uma extensão de 30 dias. O anúncio ocorreu após governadores de seis estados terem divulgado que poderiam enviar policiais para a segurança do Ceará caso a presença das Forças Armadas fosse encerrada. Integrantes do governo federal tentaram desvinculara decisão do presidente da movimentação dos estados, mas, reservadamente, admitem que o gesto incomodou. O ministro da Justiça, Sergio Moro, reclamou da exploração política do caso à colunista Bela Megale.

— Cabe ao governo doestado resolvera questão. O que mais tem atrapalhado a resolução é a exploração política da greve por pessoas de dentro e de fora do Ceará. O presidente prorrogou a GLO e, além das Forças Armadas, o governo federal está no Ceará com a Força Nacional, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Federal para proteger a população durante a paralisação ilegal dos policiais militares — disse Moro.

Na manhã de ontem, em meio à dúvida se o presidente iria ou não prorrogara operação, governadores de seis estados — São Paulo, Rio de Janeiro, Piauí, Bahia, Maranhão e Pará — se mobilizaram para enviar forças de segurança ao Ceará, caso as Forças Armadas saíssem do estado. O governador do Rio, Wilson Witzel, já tinha decidido enviar 155 homens do Batalhão de Choque da PM, informou o colunista Ancelmo Gois.

— Todos os governadores trabalhamos pela renovação da presença da Força Nacional e Exército no Ceará. Sabemos dos graves riscos na segurança e o povo do Ceará, brasileiros e brasileiras, precisa do apoio do governo federal, que já começa a trazer resultados positivos. A vida inteira no Brasil em governos de diferentes partidos e, independentemente das disputas políticas, a prioridade sempre foi seguir a Constituição Federal e socorrer o povo — disse o governador do Piauí, Wellington Dias (PT).

GLO não é "eterna"

Integrantes do governo federal consideraram o gesto como um "blefe" e destacaram que os governadores que se mobilizaram são todos de oposição a Bolsonaro, assim como Camilo Santana (PT-CE). O gesto, no entanto, resultou na renovação da GLO.

A presença das Forças Armadas no estado se encerraria ontem. O envio das tropas foi autorizado no dia 20 de fevereiro. Na véspera, o senador licenciado Cid Gomes (PDT-CE) havia sido baleado ao tentar furar um bloqueio de policiais com uma retroescavadeira.

A prorrogação foi decidida em uma reunião de Bolsonaro com Moro e mais seis ministros, entre eles o da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. A medida foi oficializada horas depois em edição extra do Diário Oficial da União. Integrantes do governo avisam que não devem haver novas prorrogações e o presidente deu esse tom ao falar do tema em suas redes sociais:

"Autorizei a prorrogação da permanência das tropas federais no estado do Ceará por mais uma semana. Esperamos que a situação se normalize o mais rápido possível. A GLO, em nosso governo, não é eterna!"

Bolsonaro reiterou também a defesa de que o Congresso aprove seu projeto que define um excludente de ilicitude para militares que participam de operações de GLO. "Ressalta-se a importância de que o Congresso Nacional reconheça que, o emprego da GLO, dada a necessidade de segurança aos integrantes das forças, muitos deles jovens soldados com cerca de 20 anos de idade, discuta e vote o excludente de ilicitude", diz texto divulgado pelo Planalto sobre o tema.

A comissão formada por membros dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário do Ceará para tentar um acordo com os policiais amotinados informou ontem que está descartada a possibilidade de anistia. Na quinta, os amotinados divulgaram uma lista de reivindicações que incluía a medida. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também já descartou a anistia. (Leia na reportagem abaixo) A negociação no Ceará enfrenta um impasse sobre o interlocutor dos policiais, que destacaram o ex-deputado federal Cabo Sabino como representante da categoria. Os membros da comissão, no entanto, não veem o ex-deputado como o interlocutor oficial, porque ele tem um mandado de prisão em aberto por suspeita de liderar o motim. Em 11 dias de motim dos policiais, o estado registrou 195 homicídios, de acordo com o G1. A Secretaria de Segurança Pública do Ceará não está mais divulgando a contagem diária.

Maia: 'Nenhuma chance' de votar anistia a amotinados

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), disse ontem ao GLOBO que não há possibilidade de votação de qualquer anistia aos policiais militares amotinados no Ceará. No Congresso, há pelo menos dois projetos que tratam de anistia a agentes que participaram de paralisações nos últimos anos.

A greve de militares é vedada pela Constituição. Em 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) também considerou que são ilegais as paralisações de policiais civis e agentes penitenciários. Ao responder sobre a possibilidade de a anistia ser votada pela Câmara dos Deputados, Maia respondeu: —Nenhuma chance. Deputados e senadores são frequentemente cobrados nos corredores do Congresso a conceder anistia a policiais e bombeiros que participaram de paralisações e movimentos grevistas. Em várias oportunidades, a pressão deu resultado.

Em 2009, o então deputado federal Jair Bolsonaro foi o relator de um projeto que inicialmente anistiava policiais militares do Rio Grande do Norte. Na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, Bolsonaro foi responsável por ampliar o escopo do texto para favorecer também agentes da Bahia, Distrito Federal, Pernambuco, Roraima e Tocantins. A recomendação de ampliar o alcance do texto já havia sido feita pela então deputada do PSOL Luciana Genro (RS) na Comissão de Segurança Pública, a quem Bolsonaro fez questão de prestar elogios. À época, citou a sua carreira militar como exemplo da necessidade do projeto.

— Esse projeto veio do Senado e visava a anistiar policiais do Rio Grande do Norte. Uma opinião minha particular, que eu já paguei um preço por isso, quando estava na ativa. Nunca desertei, ofendi qualquer militar. Está na imprensa. Sei o que eu fiz, descumpri a legislação, tá errado, não tem o que discutir isso daí. Mas não podem as autoridades civis terem prevalecido para subjugarem os militares. No meu estado o policial ganha uma miséria. Quando ele pensa em salário o governador já ameaça logo com punição — disse Bolsonaro.

Após aprovação no plenário da Câmara, o projeto retornou ao Senado, onde foi aprovado em dezembro de 2009 e virou lei em janeiro de 2010. Em 2011, outra lei beneficiou 439 bombeiros do Rio de Janeiro que chegaram a ser detidos após a ocupação de um quartel central da corporação. Um dos líderes do movimento era Cabo Daciolo, eleito posteriormente deputado federal e que foi candidato à Presidência da República nas últimas eleições. Nesta mesma lei, policiais e bombeiros de outros 12 estados e do Distrito Federal foram anistiados. Em 2013, houve novo perdão a agentes que participaram de movimentos grevistas em 17 estados e no Distrito Federal.