O Globo, n.31.586, 29/01/2020. Sociedade. p.26

Três casos suspeitos
Gabriel Shinohara
Alessandra Mendes 
Rafael Garcia 


 

A suspeita de contaminação por coronavírus em uma estudante de 22 anos, em Minas Gerais, levou o Ministério da Saúde a subir o nível de alerta do país para “perigo iminente”, na manhã de ontem. No fim do dia, a pasta divulgou que investiga mais dois casos suspeitos, um em São Leopoldo, na região metropolitana de Porto Alegre, e outro em Curitiba.

Segundo o ministério, os três pacientes se enquadram na atual definição de caso suspeito para o nCoV-2019 (como vem sendo chamado novo vírus),estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS): apresentaram febre e pelo menos um sintoma respiratório (tosse ou respiração acelerada), além de terem estado em área de transmissão local nos últimos 14 dias (prazo de incubação do vírus).

Na China, até a noite desta terça,o número de mortes em decorrência do novo vírus estava em 132. Já o de casos confirmados, em 15 países, totalizava 5.974. Na França, o número de infectados pulou para quatro, incluindo um turista octogenário chinês em estado grave. Um novo caso no Japão fez o total no país subir para sete. Na Alemanha, quatro funcionários de uma mesma empresa foram diagnosticados depois da visita de um deles ao escritório na China.

EM ISOLAMENTO

No Brasil, o Centro de Operações de Emergência (COE), acionado pelo Ministério da Saúde desde o início da epidemia, classifica os riscos em três níveis, em linha com a OMS.

O primeiro foi o nível de alerta, quando havia casos acontecendo em outros países, mas a transmissão estava concentrada na China.

O nível dois (“perigo iminente”, quando são intensificados os procedimentos de vigilância nos aeroportos e o estado de prontidão de serviços de saúde) se inicia a partir da identificação de um caso suspeito que se enquadre na definição estabelecida pelo protocolo da OMS. A partir da confirmação de um caso, o país entra no terceiro nível, e o governo declara emergência em saúde pública de importância nacional.

O caso analisado em Porto Alegre é de um homem de 40 anos que vive na cidade chinesa de Kunming, na província de Yunnan, onde 44 casos de coronavírus foram confirmados. Ele viajou ao Rio Grande do Sul para visitar a família na última sexta e lá procurou uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) relatando febre e insuficiência respiratória. As informações foram dadas por João Gabbardo dos Reis, secretário-executivo do Ministério da Saúde, ao jornal GaúchaZH.

O paciente está internado, isolado, e a análise do caso deve ser concluída até esta sexta-feira, quando também deve sair o resultado dos exames da jovem internada em Belo Horizonte.

Na sexta, ela desembarcou de Wuhan, epicentro da crise na China, onde fazia um intercâmbio. Seu voo passou antes por Paris e Guarulhos (SP).

Ontem, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou que os brasileiros devem evitar viagens à China:

—Estamos recomendando que viagens à China sejam feitas apenas em caso de necessidade. O Ministério da Saúde desaconselha qualquer viagem nesse momento para aquele país.

Mandetta explicou ainda que não há evidência de que o coronavírus esteja circulando no Brasil, porque o caso mineiro não seria de transmissão no Brasil, mas, sim, na China. Disse também que a paciente está em isolamento e que os 14 contatos mais próximos dela estão sendo acompanhados.

Um deles é a irmã da paciente, que é enfermeira da UPA em Belo Horizonte para onde a jovem foi encaminhada na sexta, quando apresentou os primeiros sintomas. No momento, a estudante manifesta problemas respiratórios, febre baixa e está internada desde anteontem no Hospital Eduardo Menezes, referência para infectologia.

— A paciente está isolada e passa bem. A possibilidade de isolamento domiciliar é até prevista nos protocolos, mas, no momento, trabalhamos com isolamento na unidade de saúde por uma questão de precaução — explicou o subsecretário de Vigilância em Saúde de MG, Dário Brock Ramalho.

Ele informou ainda que amostras do sangue dela já foram encaminhadas para Fiocruz, no Rio, cujos laboratórios têm sido considerados pelo Ministério da Saúde referência nacional para o caso de vírus respiratório.

PACIENTE ‘ZERO’

Um estudo preliminar divulgado pelos pesquisadores Chi Zhang e Mei Wang, da Academia Chinesa de Ciências, conseguiu rastrear qual seria o paciente “zero”, ou seja, a primeira pessoa a contrair o coronavírus na China dando origem à  epidemia. Segundo eles, seria um morador de Wuhan, cujo nome e gênero não foram revelados, e que provavelmente foi infectado em 17 de dezembro. Para chegar à conclusão, analisaram a genética do vírus coletado de 24 pacientes em quatro cidades, e as amostras remontam a este indivíduo, que teria começado a espalhar o vírus em 24 de dezembro.

A informação é importante porque serve para alimentar as simulações matemáticas que cientistas usam para tentar entender a velocidade de disseminação da epidemia.

Uma análise genética similar permitiu a outro grupo de cientistas fazer uma estimativa mais precisa do período de incubação da virose, durante a qual os infectados não são capazes de transmiti-la: 4,8 dias, um pouco mais longo que o da SARS. Liderados por Jianfeng He e Wenjun Ma, os pesquisadores recomendam neste estudo que “medidas mais rigorosas de controle e prevenção para detecção precoce, diagnóstico e tratamento dos casos infectados são necessárias para conter a expansão”.

“Estamos recomendando que viagens à China sejam feitas apenas em caso de necessidade. O Ministério da Saúde desaconselha qualquer viagem nesse momento para aquele país”

Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde 

“A paciente está isolada e passa bem. A possibilidade de isolamento domiciliar é até prevista, mas trabalhamos com isolamento na unidade de saúde por uma questão de precaução”


Para Bolsonaro, resgatar brasileiros ‘não seria oportuno’

 

O presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que “não seria oportuno” trazer para o Brasil a família de brasileiros que está internada nas Filipinas com suspeita de ter contraído o coronavírus. Segundo Bolsonaro, isso iria trazer riscos para o país. Os pacientes seriam um casal e uma criança de 10 anos, que viajaram para Wuhan, cidade chinesa onde surgiu o surto do novo vírus.

—Pelo que parece, tem uma família na região onde o vírus está atuando. Não seria oportuno retirar de lá, com todo o respeito. É o contrário. Não vamos colocar em risco nós aqui por uma família apenas —disse o presidente, ao chegar no Palácio da Alvorada, após retornar de viagem à Índia.

Ele disse esperar que os dados da China sejam reais, ressaltando que o país é “fechado no tocante à informação”:

—A gente espera que os dados da China sejam reais, só isso de pessoas contaminadas. Se bem que são bastante

A gente sabe que esses países são mais fechados no tocante à informação.

O presidente ainda destacou que o coronavírus é motivo para preocupação e afirmou que iria se reunir com o ministro da Saúde, Luiz Henrique

Mandetta, ainda pela manhã, para “para tomar pé de fato do que está acontecendo até o momento”.

‘MEDO E ANSIEDADE’

Ontem, o embaixador do Brasil em Pequim, Paulo Estivallet de Mesquita, afirmou que a China não autorizou a saída de brasileiros das cidades sob quarentena, a exemplo de Wuhan, local de origem do coronavírus, na província de Hubei.

Um dos 31 nomes do grupo de brasileiros que pediram ajuda ao Itamaraty para sair da China, Marcelo Alves Vasconcelos, 39, mora em Qianjiang, também em Hubei, e resumiu o sentimento daqueles que estão confinados em suas próprias casas:

—Estamos totalmente desamparados.

O engenheiro Gabriel de Noronha, 46, que mora em Wuhan com a mulher e dois filhos, expressou sua indignação por não obter apoio das autoridades brasileiras para tirar sua família da China:

—Estamos todos revoltados com a posição da Embaixada do Brasil. Se fosse uma regra para todos os países,tudo bem. Mas não é isso. Todos os estrangeiros estão saindo.

Para o urbanista Higor Carvalho, 33, que cursa doutorado em Wuhan, o desafio tem sido “lidar com medo e ansiedade”:

— Estamos há uma semana sem sair de casa e não sabemos quantas semanas ou meses isso vai durar. Nosso medo é que a vida se torne cada vez mais difícil, seja por eventuais dificuldades gerais de abastecimento, seja por desdobramentos imprevisíveis da epidemia.