O Globo, n. 31504, 08/11/2019. Economia, p. 17

Nova estratégia
Bruno Rosa
Ramona Ordoñez
Manoel Ventura
Marcello Corrêa


Após dois leilões do pré-sal sem a presença de petroleiras estrangeiras e com resultados abaixo das governo deve incluir entre suas prioridades no Congresso a mudança no regime de exploração. O objetivo é voltara atrair investimentos. A 6ª Rodada de Participações, realizada ontem no Rio, terminou com apenas uma área arrematada: o bloco de Aram, na Bacia de Santos, que ficou coma Petrobras. A estatal fez um lance em consórcio no qual entrou com fatia de 80% em parceria com a chinesa CNODC. Não houve interesse pelas quatro outras áreas ofertadas. A receita do certame ficou em R$ 5,05 bilhões. Caso todas as áreas tivessem sido vendidas, a arrecadação chegaria a R$7,85 bilhões.

O encalhe de áreas ocorreu um dia após o megaleilão do pré-sal, que levantou R$ 70 bilhões — patamar recorde na indústria, mas abaixo das projeções do governo, que estimava receita de R$ 106,5 bilhões.

Representantes do governo listaram ontem uma série de fatores como responsáveis pela frustração de expectativas. O ministro Paulo Guedes citou o regi mede partilha, cria dopara licitar áreas do pré sal. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, destacou o impacto do direito de preferência da Petrobras: a lei determina que a estatal pode indicar antecipadamente com quais áreas pretende ficar com fatia de 30%, o que, segundo Albuquerque, reduziria a competitividade do certame. O diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Décio Oddone, avaliou que a indústria entrou em uma nova fase, em que as petroleiras vão se dedicar mais ao desenvolvimento e à produção dos campos do que à aquisição de áreas com bônus de assinatura bilionários.

— Estou apavorado é com o seguinte: os 17 gigantes mundiais não compareceram. Não vieram. A Petrobras levou sem ágio. Pagou zereta. Sumiu todo mundo da sala. Ficou só ela lá com o cartãozinho e disse: ‘Eu levo’. O que isso quer dizer? Nós sabemos nos apropriar dos nossos recurso sou não entendemos até agora a principal mensagem? É o seguinte: ‘Olha, vocês são muito complicados’. Tivemos uma dificuldade enorme para, no final, vender de nós para nós mesmos — disse Guedes, e meventono Tribunal de Contas da União (TCU), ressaltando, porém, que o resultado fortaleceu a Petrobras.

Estratégia do ajuste

Especialistas avaliam, porém, que a pressão por caixa levou o governo acometer um erro estratégico no calendário de leilões. Na avaliação de Anderson Dutra, da consultoria KPMG, o governo sempre foi a favor de mudanças no regime de exploração, mas sabia que, se iniciasse o debate antes dos dois leilões desta semana, eles não aconteceriam este ano e não haveria arrecadação. Dutra ressalta que, além dos recursos para o ajuste fiscal, o governo tinha até o fim do ano par apagara Petrobras na revisão do acordo da cessão onerosa—que permitiu que a estatal explorasse até 5 bilhões de barris no pré-sal. A conclusão desta negociação, que durou mais de quatro anos e terminou com a promessa de ressarcimento à estatal de R $34,6 bilhões com recursos do certame, viabilizou o mega leilão.

— O modelo de partilha ficou coma culpado fracasso do leilão, mas que ele é ruim, todos sabemos. Deveria se colocar de forma mais transparente que o objetivo era buscar o ajuste fiscal no curto prazo. Foi um blefe estratégico. Desde o início, o governo sabia que teria dificuldades de ter agentes econômicos envolvidos nos leilões — afirmou Dutra.

Para Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura, o governo intensificou o calendário de leilões para resolvera questão fiscal:

— A 6ª Rodada não deu certo por uma série de motivos: houve overdose de leilão. Não tem como fazer três leilões acavalados. Isso estressa as empresas. Foi feito na ânsia de resolver o problema fiscal. E calibrou mal os bônus, muito altos.

Pires acrescenta que o fato de o governo ter afirmado no dia do megaleilão que poderia rever o modelo de exploração também interferiu.

— Você não pode fazer isso na véspera de um leilão de partilha. Se a regra vai mudar, as petroleiras não vão entrar. Vão esperar a nova regra — disse o especialista, que, mesmo assim, classifica o resultado do megaleilão como um sucesso por concluir a venda de áreas em um modelo complexo.

Apoio a projeto de Serra

O governo avalia agora flexibilizar o modelo de exploração do pré-sal. Além de acabar com o direito de preferência da Petrobras, a ideia é que algumas áreas possam ser licitadas pelo regime de concessão, no qual a empresa paga bônus de assinatura, mas se torna dona do petróleo. O modelo é o mais usado na indústria e traz efeito rápido do ponto de vista da arrecadação.

A avaliação do governo é que, em campos com pouco nível de informação ou atratividade, o modelo de concessão seria mais adequado ao risco de exploração e, dessa forma, ficariam mais atraentes para investidores. No regime de partilha, a União é adonado petróleo. As empresas que participam de leilões pagam bônus fixo. O vencedor é quem oferece repassar à União o maior percentual da produção (após descontar gastos coma exploração). O impacto na arrecadação tende a ser maior no médio e longo prazos.

— Será que a concessão, que é usada no mundo inteiro, não é melhor que a partilha, que é usada por influência de alguns operadores franceses em regimes corruptos da África? Os caras não só quebraram tudo, não. Eles quebraram tudo e deixaram formas de fazer negócio bastante heterodoxas — afirmou Guedes numa referência aos governos do PT.

A estratégia para levara no Congresso é acelerar o andamento do projeto do senador José Serra (PSDB-SP) para aprová-lo na Câmara e no Senado no próximo ano e conseguir aplicar as mudanças em leilões de 2020. Segundo fontes, a avaliação é que o resultado fraco dos leilões criou ambiente favorável a mudanças na regulação. O projeto de Serra está sob análise da Comissão de Infraestrutura do Senado. Ainda haverá ao menos duas audiências públicas, no próximo dia 12, antes do projeto ser votado e seguir para duas comissões.

Com o resultado fraco dos leilões, a equipe econômica já revê cálculos de quanto poderá transferira estados e municípios nos próximos 15 anos na proposta de emenda constitucional (PEC) do Pacto Federativo. A estimativa era transferir R$ 400 bilhões arrecadados em royalties.

“Tivemos uma dificuldade enorme para, no final, vender de nós para nós mesmos”

Paulo Guedes, ministro da Economia

Entenda a diferença entre os regimes em leilões de petróleo

> Concessão Neste regime, a petroleira arremata uma área no leilão ao oferecer o maior bônus de assinatura (taxa pelo direito de explorar um bloco) e o maior valor de investimento. Assim, a reserva de petróleo e gás descoberta na fase de exploração pertence 100% à empresa, ou seja, é dela todo o lucro vencidos os riscos de exploração. É adotada atualmente nas áreas do pós-sal. O ganho na arrecadação costuma ser maior no curto prazo.

> Partilha Instituído para as áreas do pré-sal, esse regime cobra um bônus fixo. Ganha o leilão quem oferecer à União o maior percentual do chamado óleo lucro, a parcela da produção que exceder o equivalente a todos os gastos realizados pela petroleira, incluindo o pagamento de royalties. Na prática, a reserva continua sendo da União e a petroleira tem que dividir com ela o lucro do bloco. Ocorrem ganhos de arrecadação no médio e longo prazos.