O Globo, n. 31527, 01/12/2019. Sociedade, p. 38

Convenção mundial: clima fechado em Madri

Renato Grandelle
Jussara Soares
Henrique Gomes Batista


Incêndios na Amazônia, ondas de calor na Europa, inundações na Somália. Em um planeta sacolejado por eventos extremos, multiplicam-se coletivos ambientalistas e a pressão de cientistas. É neste cenário que 196 nações abrem amanhã a 25ª Conferência do Clima (COP-25), em Madri. A convenção, que termina no dia 13, será pautada pelo dinheiro — o grupo dos Estados mais pobres condiciona a formulação de políticas de adaptação às mudanças climáticas à doação de verbas por países ricos.

Tradicionalmente referência no combate ao aquecimento global, o Brasil aterrissará na capital espanhola rodeado de desconfiança, diante de acontecimentos como as queimadas e o desmatamento na Amazônia e a crise do óleo na costa. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que chefiará a delegação, adianta que não planejará novos projetos contra as mudanças climáticas sem receber recursos.

— Nós podemos planejar novas ações na área desde que aquilo que já foi feito seja remunerado — ressalta, referido-se à queda do desmatamento desde o início do século.

— Não negamos que há problemas, mas nem de longe esses problemas colocam o Brasil desconfortável na área ambiental. Vice-diretora da Coppe/ UFRJ, Suzana Kahn adianta que a COP-25 terá de organizar as metas de redução de emissões divulgadas por cada país:

— Esta COP vai mostrar quais são as regras do jogo. Até agora, os países disseram como cortariam suas emissões de gases estufa, mas cada um fez o cálculo de acordo com sua própria metodologia.Chegou a hora de padronizar a conta, ou não conseguiremos dados fundamentais para entendermos o atual estado das mudanças climáticas, como o volume do desmatamento e a energia usada pelo setor de transportes.

Outro desafio é inspirar os países a serem mais ambiciosos, ressalta Thelma Krug, vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Mesmo que os países cumpram integralmente suas metas para reduzir a emissão de gases estufa, a temperatura global aumentará 3 graus Celsius até o final do século — o limite considerado tolerável pela comunidade científica é de 2 graus.

— Este é o momento em que os países pavimentarão o caminho para que, em 2020, digam quais metas pretendem seguir até 2025. É a COP do “nós podemos”, onde os mais ambiciosos poderão conseguir mais financiamentos — explica Thelma. Países ricos comprometeram-se a abastecer o Fundo Verde com US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020 para financiar políticas de mitigação e adaptação a países em desenvolvimento, desde que apresentem projetos mostrando como pretendem aplicar seus recursos. Até agora, porém, o fundo conta com menos de 10% deste valor.

Coordenador do portfólio de economia de baixo carbono do Instituto Clima e Sociedade, Gustavo Pinheiro define o Fundo como um “sintoma da falta de ação climática”:

— É pouco provável que a meta seja atingida, porque os Estados Unidos, que são os maiores contribuidores do fundo, formalizaram sua saída do Acordo de Paris.

Os protagonistas do debate

China: potência em busca de energia

Maior emissora de gases estufa do mundo, a China é a líder dos países em desenvolvimento. Investe cada vez mais em energias renováveis, mas, para sustentar o crescimento econômico, voltou a recorrer aos combustíveis fósseis.

EUA na porta de saída

Em novembro, a Casa Branca notificou a ONU sobre sua saída do Acordo de Paris. No entanto, embora Donald Trump retire seu país do documento, diversos estados e cidades prometem seguir metas de redução de emissões de CO.

Europa: engajada, mas sem liderança

A União Europeia quer zerar suas emissões até 2050, mas seus líderes perdem força: Emmanuel Macron (França) tem baixa popularidade, Angela Merkel (Alemanha) deixará o poder em 2021 e o Brexit atrapalha o diálogo entre o Reino Unido e o bloco.

Brasil lida com falta de credibilidade

O avanço do desmatamento, a crise do óleo, o fim do zoneamento para a cana de açúcar e o desmantelamento de órgãos ambientais podem impedir as reivindicações do país por recursos para conservação florestal.

Sem verbas para nações pobres

Os países menos desenvolvidos têm prioridade para obter verbas do Fundo Verde, mas há poucos recursos disponíveis. Os Estados insulares reivindicam limitar o aumento da temperaturaa, no máximo ,1,5 grau Celsius, para impedir seu desaparecimento.

Jovens na porta das negociações

Centenas de milhares de jovens protestaram recentemente contra mudanças do clima. A sueca Greta Thunberg, de 16 anos, tornou-se ícone dos movimentos. Também será a primeira COP do coletivo ambientalista global Extinction Rebellion.

Brasil tem posição frágil para reivindicar recursos

Tão ou mais complexa do que as metas de redução de emissão de gases do efeito estufa, a forma de pagar para que o mundo se adapte à nova realidade com baixo carbono vive fase decisiva. Os fundos de financiamento ambientais definidos no Acordo de Paris estão em momento final de regulamentação, que deve ser alcançada justamente na COP-25.

E, no momento em que haverá mais pressões para que os países ricos de fato doem os US$ 100 bilhões anuais que prometeram, o Brasil pode se beneficiar pouco. Os motivos são o aumento das queimadas, o desmantelamento de políticas ambientais e as mudanças diplomáticas.

O Itamaraty emitiu nota em setembro indicando que os países ricos não cumpriram a meta de doação para mitigações e adaptações climáticas de nações em desenvolvimento, como o Brasil. Mas não há um órgão da ONU que contabilize as contribuições — o mais perto disso são as doações enviadas ao Fundo Verde para o Clima (GCF), que já somou US$ 10,3 bilhões vindos de 48 países, estados e cidades. Países prometeram fluxo de mais US$ 9,8 bilhões ao longo de quatro anos. Da verba existente, US$ 5,6 bilhões foram alocados para projetos de emissão de redução de gases estufa e para o aumento da proteção contra o aquecimento.

O Brasil já teve três projetos aprovados no GCF, que somam US$ 556,5 milhões de financiamento do fundo — para redução do desmatamento na Amazônia; apoio à eficiência energética nas cidades; e criação de um fundo de investimento de energias renováveis.

Agora, o país reivindica US$ 30 bilhões, com base no corte de emissões realizado desde 2006. Mas o pedido, feito pelo Itamaraty, ainda deve passar por averiguação.

— O financiamento, quem pagará pela adequação às mudanças ambientais, éa mãe de toda a discussão sobre o clima — explica André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

— A COP terminará de regulamentar estes pontos financeiros, quando se espera que, até por pressão, os países ricos comecem ado armais, par achegar assim aos US$ 100 bilhões prometidos. Mas o problema é que,neste momento, o dando sinais ruins para receber esses recursos, diferente do que havia até a mudança do governo. Vanessa Pinsky, coordenadora adjunta e professora da Fundação Instituto de Administração, acredita que o Brasil não demonstra estratégia e compromisso para obter novos investimentos.

— Há uma desgovernança ambiental nesta gestão, que desmantela órgãos e mostra falta de compromisso. Presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, Marina Grossi diz que estados e empresas devem manter seu compromisso com o clima, independentemente do momento político, buscando oportunidades de negócios na bioeconomia.